Em Março de 2020 elaborámos um documento de divulgação restrita
intentando ajudar os decisores políticos; mais tarde, publicámos algumas ideias sobre a melhor forma de combater a pandemia.
Hoje voltamos ao assunto porque consideramos decisivo que neste combate existam:
Uma clara linha estratégica;
Um órgão de direção nacional legítimo e evidente para todos;
Estruturas logísticas, de estudo e de informação devidamente articuladas com
a direção;
Cadeias de responsabilidade bem definidas, sem ambiguidades, indo da
direção nacional às linhas de combate e ás suas bases regionais e locais;
Estruturas de proximidade na base organizadas e articuladas para o combate;
Uma adequada política de informação e mobilização pública, feita por profissionais em estreita articulação com a direção de combate.
Usámos a metáfora da guerra para evidenciar que este combate não poderia ser conduzido como uma normal ação do Governo em tempo de paz, ainda que em estado de emergência; era necessário criar novas estruturas no topo para um combate eficaz, bem como estabelecer linhas de responsabilidade sem ambiguidade até à frente do combate organizada e ligação nos dois sentidos entre o topo e a base.
A primeira questão da maior importância – a linha estratégica - foi a definição e caracterização da linha da frente. Indicámos, sem qualquer dúvida, que a linha da frente era a sociedade em geral, ou seja, toda a população, sendo aí que se travava e trava o combate decisivo, que consistia e consiste em suster e eliminar a disseminação do vírus. Indicámos também que os hospitais e o SNS estavam na
retaguarda, neste como noutros combates, ainda que fossem um elemento fundamental na luta contra o vírus e que por vezes também se encontrassem na
linha da frente - também são elementos da sociedade.
Não só o Poder confundiu as linhas da frente e da retaguarda, como não percebeu a importância fundamental da articulação do topo com a base que está na frente de combate, não estabelecendo linhas de autoridade e de responsabilidade evidentes. Como consequência, perdeu a capacidade de mobilização e a batalha da informação, deixou que se estabelecesse a confusão, a cacofonia, a banalização e a saturação dos números de “baixas” - infetados e mortos -que muitas vezes foram tratados na informação em termos desportivos como batendo sucessivos “recordes”.
Se a sociedade não perceber e sentir que é ela própria que está na frente do combate não se mobiliza nem exerce “censura. social” sobre os que não seguem as
indispensáveis regras de saúde e segurança.
A frente do combate – a população em geral – ficou sem direção efetiva e concreta, em grande parte entregue a si própria, com orientações e informações vagas ou contraditórias, emitidas pelos diferentes atores do poder e da sociedade, por agentes da comunicação social ou por poderes sem legitimidade para isso.
Dirigir uma frente de combate através da TV, onde as mensagens se atropelam e
contradizem é estar condenado ao fracasso; nestas condições o apelo à responsabilidade individual tem um efeito muito reduzido, não mobiliza os cidadãos, por esta via não se ganha o combate.
Sem organização ou ligação na base cada um atua por conta própria sob a influência de grupos e de diferentes cadeias de interesses cujos objectivos não são
necessariamente servir a sociedade em geral nem o legítimo poder democrático,
circunscrevem-se muitas vezes a meros interesses particulares. Com a linha da frente desorganizada e sem comando efetivo é evidente que as baixas continuarão a aumentar, irão sobrecarregar de tal modo a retaguarda – hospitais e SNS – que podem ou estão próximo de provocar a sua rutura, cujo efeito se refletirá ainda mais na desorganização da linha da frente.
É verdade que este erro estratégico não foi apenas do Poder em Portugal isso aconteceu inicialmente um pouco por toda a Europa, ainda que com diferenças de grau e de escala na organização e execução das medidas fundamentais para o combate à pandemia. Em alguns casos foi corrigido logo a seguir, o que se traduziu
em melhorias significativas dos indicadores das situações sanitárias. Cada país tem a
sua experiência e organização para situações agudas de crise ou catástrofe nacional, a forma como a usa permite nalguns casos uma maior proximidade e ligação à população, aumentando o sentido de responsabilidade e disciplina na base, não foi o caso português.
O combate à pandemia ganha-se se soubermos combater em toda a sociedade
Nas atuais condições, as forças policiais e de segurança são indispensáveis para
ações positivas na base fortalecendo estruturas de proximidade, não se devem
sobrecarregar acentuando a repressão. Não se mobilizam os cidadãos e a sociedade
para o combate e para a democracia por via da repressão. Se a grande maioria não
aderir conscientemente por convencimento, o combate perde-se e a democracia enfraquece.
A repressão também é necessária, isso é verdade, mas apenas em pequenas doses e sobre um número limitado de cidadãos. a mobilização tem de ser feita com ideias claras, promovendo os bons exemplos, felizmente há muitos na nossa sociedade, nos vários locais de luta - na frente e na retaguarda, no serviço nacional de saúde, nos serviços comunitários, nos serviços de segurança e defesa, na economia, nos serviços indispensáveis ao funcionamento da sociedade.
Promover os maus exemplos - as notícias quase se limitam a isso - não assumir
os erros e a responsabilidade são graves tiros nos pés. Há que corrigir a orientação,
fortalecer a direção e a capacidade executiva, organizar e coordenar devidamente os recursos existentes, saber aplicá-los onde é prioritário e mais urgente. Os responsáveis de topo e de direção têm de saber assumir essa responsabilidade,
esvaziando e isolando rapidamente dirigentes corporativos e pretensos iluminados e salvadores, à cacofonia e ao ruido existentes, há que sobrepor uma comunicação clara e objectiva e há que travar o avanço de forças neofascistas.
A luta pela saúde publica e o reforço da democracia são elementos do mesmo
combate por um país solidário, livre e democrático. Dizer que temos de mudar de
comportamento está certo, mas não se esqueçam que o exemplo vem de cima:
ORGANIZEM-SE MELHOR, mobilizem e articulem devidamente as capacidades
existentes, deem orientações adequadas, criem um clima de confiança, verão que as
coisas melhorarão na frente e na retaguarda do combate, formando uma barreira consistente ao vírus e de defesa da democracia.
Existem forças, capacidades e conhecimento em Portugal capazes de combater com eficácia este vírus e o emergente neofascismo, reforçando a democracia e a cidadania. O povo português, apesar das dificuldades, bem dirigido é capaz de vencer esta luta que passa por todos.
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