Se no passado a figura do professor era sinónimo de reconhecimento e de valorização pública, a imagem atual dos professores em Portugal tem vindo a ser agravada pelos meios de comunicação social, onde tendencialmente são ridicularizados ou caluniados, denotando-se uma forte tendência para generalizar ou estereotipar comportamentos negativos a toda a classe docente.
A ferocidade com que a sociedade consome este tipo de propaganda e de sensacionalismo jornalístico/televisivo, culminou na capacitação do poder político em denegrir e pôr em causa o papel dos professores, como atores fundamentais na sustentabilidade económica, social e cultural de qualquer país (Jesus, 1996).
O desprezo político e o desdém social sobre os professores, segundo Alves (1991), citado por Ramos (2004), estão patentes em expressões bem conhecidas dos portugueses, quando dizem: “Não passa de um professoreco”;“É um reles professor”. Há, ainda, aquela frase: “Sei que o meu filho é burro, mas se chegar a professor, fico muito feliz”. Importa referir, que todas estas expressões ganham um sentido paradoxal, porque são os professores os responsáveis pela formação de todas as profissões e são, simultaneamente, ultrapassados por quase todas.
Por outro lado, Alves (1997) refere que é cada vez maior o sentimento de indiferença dos alunos e dos pais para com o trabalho dos professores e a função da escola, facto que levou a que os professores mais empenhados, idealistas e obcecados com a sua missão educativa a perderem-se num contínuo de erosão, marcada pela desilusão e a falta de esperança na renovação de um compromisso para com a profissão. A promoção deste tipo de discurso contra os professores contribuiu, claramente, para a situação que se verifica atualmente em Portugal, ou seja, a indiferença dos candidatos à frequência de cursos superiores ligados à Educação e à fuga em massa dos professores mais velhos rumo a uma aposentação autoimposta.
Neste sentido, o método de produção das identidades dos professores passou do âmbito nacional, através dos discursos e dos documentos ministeriais, para o plano organizacional da escola, no intuito deles mesmos serem um meio de reprodução dos valores globais do mercado, da oferta e do consumo. Deste modo, os professores são moldados pelo Estado no interior da profissão e bloqueados a partir do exterior (Lawn, 2001).
O princípio do desempenho e da recompensa, a substituição das qualidades por atitudes transformadas em competências, levou a uma reconstrução absoluta da identidade dos professores neste sistema de massas; ou seja, a sua homogeneização, a monitorização e a subserviência à nova sociabilidade do local de trabalho de tipo empresarial. O professor dos nossos dias deve ser “disciplinado, obediente, motivado, responsável e social”(Lawn, 2001,p.129).
A investigação nos países ocidentais tem demonstrado, repetidamente, os efeitos nefastos das reformas neoliberais na cultura escolar e na profissionalização dos professores. Por cá, os decisores políticos praticam o seguidismo fanático pelas doutrinas ultracapitalistas da OCDE, que contribuem para o perpetuar de uma sociedade assimétrica e sem futuro. O Estado projeta na escola e nos professores a responsabilidade para resolver os problemas que criou ou não tem capacidade para resolver.
É neste contexto, que Magalhães (1998) vê o professor como a peça central da engrenagem que suporta um sistema de ensino adaptado à estrutura organizacional pensada no modelo escola-empresa, substituindo as questões da formação cívica, da expressão estética, da emancipação e da igualdade de oportunidades, pelos princípios da regulação da racionalidade económica e científica, perante a qual a escola de ser entendida como uma unidade produtiva, de trabalhadores multiqualificados para servirem o setor empresarial. A gestão profissional dos professores é uma ideologia com duas afirmações distintas: uma gestão eficiente dos recursos pode resolver qualquer problema e as práticas utilizadas nas empresas do setor privado também podem ser aplicadas na Educação Pública (Písová, 2013).É assim que as novas formas de manipulação da gestão das escolas tornaram mais complexas as estruturas que as dirigem, com implicações na coordenação da ação educativa e na dinâmica relacional do professorado. Deste modo, as hierarquias diretivas multiplicaram as responsabilidades dos docentes na “execução orçamental” do currículo, fundamentada por um processo de avaliação de desempenho docente viciado e de novos mecanismos de supervisão e de prestação de contas.
A redução do professor a um mero técnico de sala de aula, sem capacidade para pensar, refletir ou decidir, tem levado os professores a situações de ansiedade, sentimento de incapacidade, falta de autonomia profissional e de sobrecarga, o que tende a refletir-se no modo como os docentes interagem com o território educativo e gerem as experiências de aprendizagem dos seus alunos. E afirma Monteiro (2005, p.116), “Se se desconfia do professorado, como se explica o aumento de expectativas quanto às suas responsabilidades?”
A este respeito, Teodoro (1994) refere que o sucesso de qualquer reforma ou mudança no sistema educativo está dependente da valorização da condição docente, na qual existe uma melhoria salarial, social e na autonomia dos professores para exercerem o seu poder pedagógico na escola. Pelo contrário, a políticas de proletarização da docência pretendem “reduzir custos da força de trabalho (…), a estandardização de tarefas, a intensificação das exigências em relação à atividade laboral, com uma inflamação e sobrecarga permanente de atividades”(p.64).
E neste culminar de argumentos, que poder-se-á afirmar com toda a certeza, que os professores tornaram-se o centro de todas as exigências e de todas as acusações. Como afirma Lawn (2001,p. 118), os professores “aparecem em destaque quando existe, de alguma forma, um pânico moral acerca da sociedade e das suas crianças; nesses momentos, os professores estão em primeiro plano, escrutinados e reprovados”. E agora que o lockdown sanitário terminou, a época de caça aos professores reabriu na sua máxima força. A ver vamos…
Referências Bibliográficas:
Alves, J.M. (1997). Poder e ética na formação de professores: um contributo psicanalítico. In I. Sá-Chaves (Org.). Percursos de Formação e Desenvolvimento Profissional (pp.141-156). Porto Editora.
Jesus, S. (1996). A motivação para a profissão docente. Contributo para a clarificação de situações de mal-estar e para a fundamentação de estratégias de formação de professores. Estante Editora.
Lawn, M. (2001). Os professores e a fabricação de identidades. Currículo sem Fronteiras, 1 (2), 117-130. https://www.curiculosemfronteiras.org/voliss2articles/lawn.pdf
Magalhães, A. (1998). A Escola na Transição Pós-Moderna. Instituto de Inovação Educacional.
Monteiro, L. (2005). A construção do conhecimento profissional docente. Instituto Piaget.
Písová, M. (2013). Teacher Professional Socialization: Objective Determinants, Orbis Scholae, 7 (2), 67-80. https://www.researchgate.net/publication/287301994
Teodoro, A. (1994). A carreira docente: Formação, Avaliação, Progressão. Texto Editora.
Ramos, S. (2004). (In)Satisfação e Stress na Profissão Docente. Interações: Sociedade e as Novas Modernidades, 4 (6), 87-130. https://www.interacoes-ismt.com/index.php/revista/article/view/103
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