A carreira docente em Portugal é entendida como pouco respeitável, o seu estatuto social vertiginosamente baixo e a ascensão profissional praticamente nula, comparativamente a outras profissões menos exigentes, mas melhor recompensadas ao nível de fatores internos de satisfação profissional, tais como: as relações interpessoais com colegas ou superiores hierárquicos, os salários, o tempo para a vida pessoal e as condições de trabalho (Alves, 1994).
Nóvoa (2013) enuncia as razões subjacentes à desmotivação e à insatisfação docente relativas às suas carreiras, referindo que cada vez mais os professores são:
-responsabilizados pelo estado do ensino, quer pelo poder central, quer pela sociedade;
-alvo de uma intensificação do seu trabalho (gestão escolar, burocracia, prática letiva com elevado número de alunos, coordenação de estruturas pedagógicas, exigência de criação de projetos pedagógicos inovadores, participação no desenvolvimento de iniciativas de aproximação com a comunidade educativa ou intercâmbios com outras escolas europeias);
- objeto de mecanismos de controle, supervisão e de avaliação desajustados às especificidade da sua profissão e em que a sua finalidade, em termos de progressão de carreira, conduz muitas vezes ao nada;
-sujeitos a mudanças constantes na legislação educativa através dos currículos escolares e das orientações para a gestão das escolas, influenciando a organização das práticas de ensino e a aprendizagem dos alunos;
-culpabilizados pelo fracasso na relação com os pais dos alunos ou com associações locais ligadas à Educação, muitas vezes resultado de uma falta de cultura de diálogo democrático e de trabalho em parceria/colaboração entre as partes envolvidas;
-estimulados à frequência massiva de formação contínua, que nem sempre promove o desenvolvimento de competências profissionais e consequente aumento da qualidade do sistema educativo;
-sujeitos a condições de trabalho e remuneratórias progressivamente degradantes, quando comparadas a outras profissões com ou sem formação superior.
Ruivo (2008) refere que ao professor é-lhe imputada uma multiplicidade de funções e de responsabilidades para as quais não foi preparado, mas que o Estado e a Sociedade impõem, como forma de compensar a sua incapacidade para responder aos problemas contemporâneos. Por outro lado, a falta de formação complementar, a inexistência de estímulos e de incentivos aliam-se a uma descaracterização dos professores marcada pela desilusão, pelo desinvestimento académico, pela desmotivação, pelo stresse e pelo desencanto com a profissão, entregando-se à incompetência passiva face às suas obrigações educativas. Também as condições de saúde pessoal dos professores são afetadas, tornando-os numa das classes profissionais que mais recorre a serviços de saúde e à dependência de medicação (Figueiredo, 2007).
Este cenário de desprofissionalização e de proletarização da profissão tem levado os professores à perda de autonomia e de responsabilidade para se tornarem, através da formação inicial e contínua, numa lógica mecanicista, executantes preferencialmente perfeitos, das orientações pedagógicas delineadas e controladas por especialistas ligados aos centros de decisão política (Perrenoud, 1993). A proletarização na docência, como sublinha Loureiro (2001), resulta de vários fatores: a regulação da profissionalização docente dependente da intervenção e do controlo do Estado; a degradação do seu estatuto socioeconómico (baixos salários e desprestigio social); a associações sindicais e profissionais incapazes de defender as aspirações e as necessidades da classe docente; a falta de um código deontológico/Ordem de Professores; a variabilidade do sistema de credenciamento institucional para o exercício da profissão e o acesso ao mercado de trabalho; a ausência forçada na definição e implementação das reformas educativas.
Estrela (2010, p.18) considera que o novo contexto em que se encontram os professores portugueses, diferencia-se pela proletarização ideológica, na qual os professores não controlam os “objetivos e as finalidades do seu trabalho” e a proletarização técnica, com a “perda de controlo sobre os aspetos técnicos do seu trabalho”. Neste sentido, o professor “deixa de ser um intelectual apto, para se tornar um assalariado com níveis de inaptidão externamente provocados (…), aceitam mais funções e, simultaneamente, piores condições de trabalho”(Ruivo, 2008, p.2).
Deste modo, o processo de proletarização da profissão docente em Portugal consolidou-se através: de reduções salariais sucessivas durante o período de assistência económica a Portugal ; o congelamento do tempo de serviço (em mais de nove anos); o acréscimo de mais anos de trabalho para atingirem a reforma; o processo de avaliação de desempenho injusto e condicionado por quotas, impedindo o acesso ao topo da carreira para a maioria dos professores no final da vida profissional; os elevados custos da mobilidade docente (despesas para exercer a profissão), sustentados com salários estagnados e inferiores ao que auferiam em 2008. Como destaca o Relatório da Comissão Nacional de Educação (2016, p.8), a carreira docente em Portugal “ pode alargar-se por muitos anos e sem estímulos a uma progressão consentânea com a sua importância social, oferece uma imagem pouco atrativa aos que se encontram em situação de fazer opções à entrada no ensino superior”.
Para Gomes (1993), citado por Monteiro (2005), os professores, encontram-se, portanto, perante dilemas sobre os quais não possuem qualquer controlo:
- O poder do Estado sobre o setor educativo determinará, de forma inevitável, a perda de identidade profissional dos professores e a consequente proletarização;
- A divisão da profissão numa lógica de polarização ou de hierarquia vertical, ou seja, uma minoria sobrequalificada e valorizada, ligada à gestão, à inovação educativa e ao controlo de uma maioria progressivamente desqualificada;
-A autonomia das escolas possibilitará a requalificação da classe docente, tornando a profissão mais diversificada, quanto aos papéis e às exigências das suas funções.
Em entrevista ao Notícias Magazine, Niza (2014) já traçava um retrato preocupante sobre a situação da Educação em Portugal, sobre a qual apontava problemas de vária ordem, com maior destaque para: a asfixia dos professores perante os resultados da avaliação intern/externa dos alunos, que justificam os rankings das escolas; a transformação da Educação num sistema competitivo de modelo empresarial; a implementação de políticas educativas governamentais ultrapassadas e traduzidas em metas curriculares que empobrecem a aprendizagem e a socialização dos alunos; a visão economicista, conservadora e sem valor acrescentado para as escolas. Como referiu este pedagogo na entrevista, a vida de professor em Portugal é um “Inferno”.
Também não deixa de ser curioso, tendo em conta que o professorado é uma das classes profissionais que mais se envolve na vida política portuguesa, a Educação passou a ter um valor praticamente residual. A Educação, como pilar fundamental do desenvolvimento civilizacional de um país, nem sequer foi assunto de debate pelos partidos políticos do “arco da governação” nas últimas eleições legislativas de 30 de janeiro de 2022. Enfim…
Referências Bibliográficas:
Alves, F.C. (1994). A (In) Satisfação dos Professores. Estudo de opiniões dos professores do ensino secundário do distrito de Bragança. Instituto Superior Politécnico de Bragança.
CNE (2016). Condição docente e políticas educativas. CNE http://www.cnedu.pt/content/noticias/CNE/Recomendacao_Condicao_Docente_final.pdf
Estrela, M. (2010). Profissão Docente: Dimensões Afectivas e Éticas. Areal Editores.
Figueiredo, M. (2007). Estudo Exploratório sobre a Saúde Mental dos Professores. (Dissertação de Mestrado, Universidade de Aveiro). Repositório Institucional da Universidade de Aveiro. http://hdl.handle.net/10773/4638
Loureiro, C. (2001). A docência como profissão. Culturas dos professores e a (in)diferenciação profissional. ASA, Editores II, S.A.
Monteiro, L. (2005). A construção do conhecimento profissional docente. Instituto Piaget.
Niza, S. (2014). Ser Professor é um Inferno. Jornal Diário de Notícias. http://www.noticiasmagazine.pt/2014/ser-professor-e-um-inferno/
Nóvoa, A. (Org.) (2013). Vidas de Professores. Porto Editora.
Perrenoud, P. (1993). Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Perspetivas sociológicas. Publicações Dom Quixote. Instituto de Inovação educacional.
Ruivo, J. (2008). Educação & Desenvolvimento. RVJ Editores.
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