Simplificar só complica

Tendemos a julgar que simplificar, na vida, ajuda-nos a obter melhores resultados em tudo.

  • Opinião
  • Publicado: 2023-03-21 16:24
  • Por: Antero Carvalho

No entanto, se pararmos para refletir sobre o motivo pelo qual existem polémicas, opiniões estremadas e em última análise, o que poderíamos designar por caraterística humana que está na origem de todos os processos de desentendimento e discórdia, nas sociedades humanas, facilmente poderemos deduzir que tal, tem origem nessa mesma tendência para simplificar.

Simplificar significa, quase sempre, radicalizar uma determinada posição relativamente a um assunto. Podemos usar como exemplo, qualquer um dos temas quentes da sociedade, que são agenda do dia-a-dia e facilmente perceberemos que todos eles têm uma característica em comum: normalmente estão bipolarizados. 

Existe neste fenómeno, uma questão intrínseca ao próprio funcionamento da personalidade, entenda-se, questões intimamente relacionadas com a forma como, do ponto de vista da consciência, o cérebro processa a informação, assim como existe, em simultâneo, o fenómeno que se relaciona com o contexto onde cada pessoa nasce e vive, ou seja, na maioria dos casos, cada um de nós, toma partido por uma das posições, tendo em conta, as crenças resultantes dos fatores culturais; políticos, sociais e religiosos. 

Qualquer assunto que domine a agenda do nosso dia-a-dia, na atualidade; alterações climáticas, aborto, direitos LGBT, racismo, vacinação, entre tantos outros, até mesmo o atual cenário que levou à proliferação do conflito na Ucrânia. Todos estes assuntos têm em comum, um único ponto de partida, persistem com a intensidade divergente a que se assiste, devido ao facto de existirem essencialmente dois grupos de opinião, ou se preferirmos, duas posições estremadas em relação ao assunto. 

Isto acontece essencialmente porque tendemos, sob o ponto de vista da fisiologia cognitiva, a procurar processos de simplificação da compreensão da realidade, de forma a otimizar a nossa capacidade de processamento, ocorrendo em simultâneo, a aplicação de um filtro cultural, que nos leva a optar entre dois pólos, por aquele que se coaduna mais com as nossas crenças. Nunca tendemos a procurar a perspetiva dos pontos intermédios ou o campo dos designados meios-termos. 

Tendencialmente simplificamos, sob o ponto de vista da consciência, aquilo que é a compreensão dessa mesma realidade. Quando se lhe junta a este fenómeno, o filtro da interpretação, aplicado por aquilo que poderíamos designar por características da personalidade, intrínsecas ao que temos como influências culturais, facilmente percebemos que cada ser humano tende, por princípio, a procurar um desses extremos, como mecanismo de simplificação. O problema é que a realidade é sempre muito mais diversa, por sua vez, mais complexa do que julgamos ser.

Gostaria de lançar um repto ao leitor/a e desafiá-lo/a para aquilo que pode ser o princípio de uma nova forma de pensar, ou melhor, aprender a repensar, onde a multiplicidade não signifique complexidade, mas sim, a capacidade de alargarmos o nosso espectro da compreensão e com humildade, conseguirmos perceber que entre duas posições opostas existem sempre variadíssimos pontos intermédios que quando identificados, inumerados e analisados, poderão guiar-nos, num processo de aproximação de pontos de vista. Talvez se surpreenda ao ver que, entre eles, existem mais coisas que nos unem, do que esses dois extremos que nos separam.

Há uma característica que define a inteligência: a maior capacidade de nos colocarmos fora do nosso ponto de vista e a partir daí, sermos capazes de analisar um outro, sem qualquer influência dos nossos valores culturais. Ao longo da vida percebi que esta característica é das competências humanas mais difíceis de adquirir, no entanto, fui aprendendo a desenvolver truques para conseguir concretizá-la. Um deles, é usar uma das aptidões com que nascemos e que por termos tido, se torna mais fácil a todos identificarmos: refiro-me à genuinidade da curiosidade de criança que leva ao constante processo de aprendizagem.

Lembra-se quando era criança a fazer perguntas, na idade dos porquês? 

Tente procurar recordar-se quais eram as intenções que a/o moviam a fazer perguntas. Não eram certamente motivadas pelo ímpeto de contrapor de seguida, até porque na idade dos porquês, tudo é absolutamente novo, não existe um pré-julgamento possível para as respostas, a obter. Na mente de quem efetua a pergunta, só existe uma expectativa: aprender. Encontrando-se completamente aberta; faz a pergunta, espera pela resposta, reúne informações, tal como um cientista, tira conclusões e gera no processo de aprendizagem, uma maior e melhor compreensão do mundo. 

É este sentido genuíno que devemos reintroduzir, no saber “ouvir”, quando no processo de compreensão, do outro, procuramos perceber, quais são verdadeiramente os motivos que levam aquela pessoa, ou aquele grupo de pessoas, a pensar daquela forma. 

Simplificar em demasia significa, quase sempre, posicionar-nos extremadamente, principalmente quando se trata de interpretações subjetivas de um contexto ou realidade, o processo de simplificação é tendencialmente, por questões da fisiologia da cognição, afetado pelo filtro cultural da personalidade individual. Por isso, cabe-nos a todos nós, como seres inteligentes que somos, sermos capazes de vigiarmos esta nossa característica fisiológica e constantemente fazermos um esforço que leve a um maior alargamento do espetro da nossa capacidade de entendimento e compreensão dos outros e do mundo, além de nós.

A capacidade das sociedades e dos cidadãos conseguirem criar condições, onde os pontos de concórdia, resultado de um olhar mais alargado, sejam uma ponte para aproximação de pontos de vista, por sua vez, um mecanismo de eliminação, dos motivos que levam aos fenómenos extremados que dão origem à discórdia, depende da capacidade de cada um de nós, reaprender a ser o cientista que era na idade dos porquês, quando fazia perguntas com a intenção genuína de aprender e não com a expectativa de rebater a resposta com base numa ideia pré-concebida nos pressupostos que culturalmente já estabelecemos.

Recorde-se: 

Se tivermos o pote do conhecimento, cheio pelas nossas certezas, de nada servirá perguntar, pois mais nada cabe dentro dele.

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