Em matéria de investigação criminal, o grande desafio que hoje se coloca é o de tentar alcançar a eficiência. Não obstante, a eficiência não pode ser alcançada a todo o custo, devendo-se conciliá-la com o ininterrupto respeito pela legalidade.
O atual modelo de organização de investigação criminal português reúne as condições essenciais ao combate eficaz das novas expressões de crime organizado, uma vez que conta com o trabalho e experiência da Polícia Judiciária, aliada aos esforços do Ministério Público em procurar exercer eficazmente a ação penal. A Lei de Organização da Investigação Criminal, em vigor, atribui uma competência reservada à Polícia Judiciária. Apesar de não se atribuir diretamente a competência 6 para a investigação criminal mais complexa, tanto pela tradição, como pela sua preparação, a nível de apetrechamento técnico e quadros especializados, este é, em regra, o órgão de polícia criminal mais vocacionado e preparado para este tipo de investigação. A Polícia Judiciária é hoje o único corpo superior de polícia com competências reservadas para a investigação criminal. É vital ter como assente que quanto mais se investir nas fases preliminares do processo, menos julgamentos desnecessários ocorrem e mais célere se tornará a justiça.
Por conseguinte, vários ordenamentos jurídicos, incluindo o português, têm criado modernos instrumentos de combate ao crime, particularmente novos meios de prova e novos meios de obtenção de prova. São disso exemplo as escutas telefónicas, o registo de imagem e som entre os presentes, novos instrumentos e canais de cooperação internacional, ações encobertas e entregas controladas, entre outros. É de notar que, estes meios, a serem admitidos, nunca podem por em causa os direitos fundamentais. A implementação destes novos instrumentos exigiu e continua a exigir, também, tempos de mudança na Polícia Judiciária. Ao invés do que acontecia com a criminalidade tradicional, a investigação do crime organizado não pode ficar a cargo de um só investigador, mas contrariamente, de uma equipa de investigadores. A atual investigação criminal pressupõe a existência de estruturas orgânicas profissionalizadas e especializadas, dotados de equipamentos e recursos tecnológicos apropriados ao eficaz combate ao crime. Tal realidade requer que as condições de acesso à carreira de investigador criminal sejam cada vez mais criteriosas e exigentes, bem como eleva as exigências de uma adequada formação e treino dos operativos que compõem a Polícia Judiciária.
Lei de Organização da Investigação Criminal: O trabalho dos investigadores criminais da Polícia Judiciária, e respetiva remuneração, encontra-se sumariamente enquadrado nos seguintes diplomas legais:
- Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de setembro, que aprova a nova estrutura organizacional da Polícia Judiciária;
- Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro, que estabelece o estatuto profissional do pessoal da Polícia Judiciária, bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal;
- Portaria n.º 111/2023, de 26 de abril, que estabelece montante de referência para determinação do valor dos suplementos a que tem direito o pessoal da Polícia Judiciária pela prestação de trabalho nas modalidades de piquete, de prevenção e do valor-hora de serviço de prevenção;
- Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Os investigadores criminais da Polícia Judiciária possuem um horário semanal de 35h de trabalho (auferindo o salário constante do anexo I ao Decreto-Lei n.º 138/2019), como qualquer outro funcionário público, a que acresce a prestação de trabalho em regime de Piquete (24h presencial) ou de Prevenção (“à chamada”, o que significa estar preparado a qualquer hora da noite e/ou ao fim-de-semana), com o intuito de dar resposta aos fenómenos criminais ocorridos fora do convencional horário 09:00-17:30 (recebendo por esse serviço os montantes estipulados na Portaria n.º 111/2023), podendo a semana de trabalho exceder em dezenas de horas o comummente estabelecido (convém referir que os Inspetores não recebem subsídio de turno).
A Polícia Judiciária é legalmente definida como um corpo superior de polícia criminal organizado hierarquicamente na dependência do Ministério da Justiça, sendo um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa. Tem por missão coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover ações de prevenção, deteção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes.
Quanto à investigação criminal propriamente dita, mais concretamente a nível interno, o n.º 1 do artigo 5º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária remete para a Lei de Organização da Investigação Criminal, que no seu artigo 7º estabelece a competência da Polícia Judiciária em matéria de investigação criminal. Deste modo, a Polícia Judiciária tem, por um lado, competência reservada para crimes de maior complexidade, enumerados naquela norma, e tem, por outro, competência para investigar os crimes que lhe sejam cometidos pela autoridade judiciária competente. Por sua vez, no tocante à cooperação internacional, a Polícia Judiciária deve garantir o funcionamento dos gabinetes nacionais da Interpol e da Europol.
A especial vocação da Polícia Judiciária para a realização da investigação criminal, sobretudo para os crimes mais graves e de maior complexidade, é o que a caracteriza e a torna um corpo superior de polícia criminal, tal como refere a Lei Orgânica da Polícia Judiciária. Efetivamente, não devem existir quaisquer dúvidas relativamente ao facto de que o contributo da Polícia Judiciária na investigação criminal é fulcral para o sucesso do processo criminal e para a prossecução da justiça.
Lamentavelmente, neste domínio, a Polícia Judiciária está carenciada, na medida em que os seus quadros só estão ocupados a 56,3%. Na tentativa de colmatar tal défice, em Março de 2015, a Polícia Judiciária abriu concurso para cento e vinte candidatos ao curso de formação de inspetores estagiários, ao fim de cinco anos sem abrir qualquer concurso. Contudo, a morosidade é lamentável.
As novas ameaças com que o mundo se depara e os novos e constantes desafios exigem que a Polícia Judiciária esteja sempre à altura de adequar as suas capacidades às novas realidades. Como tal, a Polícia Judiciária tem-se vindo a modelar e a criar as condições necessárias a um eficaz combate ao crime. Antes de mais, a investigação da criminalidade requer conhecimentos específicos, amplos meios técnicos e mobilidade de atuação, dada a especial complexidade, organização e ampliação espacial da atividade criminosa, que não respeita fronteiras. Para fazer face a tais exigências, a Polícia Judiciária tornou-se cada vez mais rigorosa no que ao processo de recrutamento diz respeito, com o intuito de capacitar os seus operacionais para as vicissitudes da investigação contemporânea. Em particular, procura meios humanos altamente qualificados e com formação universitária de base que, posteriormente, receberão formação na Escola da Polícia Judiciária, especializada em investigação criminal e criminologia. Também em termos de estruturas, modernizou-se, ao adquirir equipamentos sofisticados, possibilitando que cumpra a sua missão de forma mais célere. Pela mesma razão, criou-se o Laboratório de Polícia Científica, preparado para realizar perícias forenses altamente especializadas nos mais variados domínios, designadamente, biologia, toxicologia, física, química, balística, tratamento de documentos, escrita manual e criminalística. Pela mesma razão, fomentou e continua a fomentar, em crescendo, a comunicação, tanto a nível interno como a nível externo, com outros órgãos de polícia criminal nacionais e com polícias e organizações internacionais, com as quais realiza permutas de informações vitais para a luta contra o crime. Designadamente, criou a Unidade de Cooperação Internacional, para centralizar o intercâmbio de contactos com aquelas instituições. Em suma, a intervenção da Polícia Judiciária na investigação criminal deve ser entendida como uma mais-valia, dado todo o seu acervo técnico-científico, experiência e saber criminalístico acumulado.
Em particular, é ao Ministério Público a quem cabe a direção exclusiva do inquérito, como resulta do artigo 263º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o que implica, também, competências de investigação criminal. A direção do inquérito foi-lhe atribuída enquanto órgão autónomo de administração da justiça, constitucionalmente incumbido do exercício da ação penal. O Ministério Público é um corpo de magistrados, dotados de elevado grau de autonomia perante os demais poderes do Estado, mas organizado internamente através de uma estrutura hierarquizada. São estas características que permitem, a este órgão, dirigir o inquérito e enfrentar os desafios colocados pela criminalidade atual. A direção do inquérito, levada a cabo pelo Ministério Público, destina-se a assegurar a idoneidade e a objetividade desta fase processual. Visa, também, garantir a validade da prova indiciária recolhida, bem como os direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos intervenientes no processo. Se a direção do inquérito pertence exclusivamente ao Ministério Público, só ele deve definir os atos a praticar, em ordem a averiguar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas . Ressalvam-se os atos de inquérito, enumerados nos artigos 268º e 269º do Código de Processo Penal, nos quais se põem em causa direitos fundamentais dos cidadãos, cuja competência pertence ao juiz de instrução. Também a criação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e dos vários Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) contribuem para o sucesso da investigação criminal, uma vez que são órgãos de coordenação, prevenção e direção da investigação da criminalidade. Estes departamentos permitem que os magistrados, que se dedicam à investigação criminal complexa, beneficiem de um enquadramento hierárquico adequado, que fortalece a sua posição, enquanto dirigentes do inquérito. Note-se que, regra geral, o Ministério Público deve dirigir a investigação, em vez de a executar, visto que, para além de não dispor dos meios adequados a uma investigação criminal, é muito importante respeitar o distanciamento necessário, que os procuradores devem ter relativamente a um processo, de forma a garantir a sua objetividade. Mais à frente iremos abordar certos casos que constituem a exceção à regra. Assim, a investigação criminal só pode ser realizada com sucesso pelo detentor de certas técnicas e saberes, bem como dos meios humanos e logísticos adequados, que o Ministério Público claramente não possui. Evidentemente, referimo-nos aos órgãos de polícia criminal, com destaque para a Polícia Judiciária, que executam a estratégia de investigação delineada pelo Ministério Público. O n.º 1 do artigo 55º do Código de Processo Penal estabelece que compete aos órgãos de polícia criminal coadjuvar as autoridades judiciárias com vista à realização das finalidades do processo. Para que não suscite confusões, o órgão coadjuvado deve definir as tarefas a serem, Cfr. n.º 1 do artigo 262º do Código de Processo Penal. desempenhadas pelo órgão coadjutor, estabelecendo, simultaneamente, alguns limites materiais da coadjuvação. O legislador processual penal veio, no n.º 2 do artigo 270º do Código do Processo Penal, estipular esses mesmos limites, vedando certos atos aos órgãos de polícia criminal.
O atual relacionamento entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público É sobretudo no inquérito que o relacionamento entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público suscita maior relevância. Optimizar esta relação na fase do inquérito significa privilegiar um diálogo institucional. Quando a Polícia Judiciária exerce funções no processo, especificamente no inquérito, atua sob a direção das autoridades judiciárias e na sua dependência funcional, tal como dispõem os artigos 56º e 263º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Assim, no ordenamento português, as relações dos órgãos de polícia criminal com as autoridades judiciárias seguem um modelo de dependência funcional, mas, simultaneamente, de autonomia orgânica.
Em cada um dos Estados membros existe uma unidade nacional que estabelece a ligação entre a Europol e o seu país. No caso português, essa tarefa cai na responsabilidade da Polícia Judiciária, mais especificamente na responsabilidade da sua Unidade de Cooperação Internacional. Por sua vez, a Eurojust é um órgão da União Europeia dotado de personalidade jurídica e meios próprios, com sede em Haia. O Conselho Europeu demarcou como sendo da maior importância criar uma figura como a Eurojust, que reforçasse a luta contra as formas graves de criminalidade organizada transnacional, nascendo assim a Eurojust, a 28 de fevereiro de 2002. Este órgão é constituído por 28 membros nacionais, destacados pelos próprios Estados membros, com as qualidades de procuradores, juízes, polícias ou com competências equivalentes, sendo que cada um dos Estados define a natureza e o alcance das competências judiciárias do seu membro nacional. Tem como objetivos incentivar e melhorar a coordenação das investigações e procedimentos penais nos Estados membros, melhorar a cooperação judiciária entre as autoridades nacionais e reforçar a eficácia das investigações e procedimentos penais. Mas a Eurojust pode ir mais além, tendo poder de iniciativa para apresentar pedidos específicos às autoridades nacionais.
Constitui uma realidade indubitável que o estudo da investigação criminal é muito vasto, com diversos focos de interesse. A investigação criminal desempenha, sem dúvida, um papel preponderante na marcha do processo penal. É com base nela que se decide se há indícios suficientes, que justifiquem ou não a dedução de acusação por parte do Ministério Público e a subsequente submissão de um processo a julgamento. Neste âmbito, a qualidade, ou a falta dela, do trabalho da polícia tem muita influência na resolução e no desfecho de um caso. Mais precisamente, são os órgãos de polícia criminal que, com a sua arte e engenho, descobrem e recolhem provas, de forma a apurar a eventual ocorrência de um crime, determinar os seus agentes e a respetiva responsabilidade. No entanto, nada se conseguiria se a atuação dos órgãos de polícia criminal não fosse minimamente controlada, pelas autoridades judiciárias responsáveis por cada fase do processo. Caso contrário, os diversos conflitos, nomeadamente de sobreposição de competências e a competitividade entre os vários corpos de polícias, levaria a melhor, pondo em causa a eficácia da investigação criminal e do seu fim último, o combate à criminalidade. Em especial, a Polícia Judiciária, figura central do nosso trabalho, contribui ativamente e de forma muito positiva para a investigação, que exige o constante e atualizado domínio de técnicas investigatórias e a disponibilidade de recursos logísticos. Sendo uma polícia caracterizada pela vasta experiência de investigação Vários fatores, no nosso entender, a elevam como sendo um corpo superior de polícia. Antes de mais, caracteriza-se por ser uma polícia um tanto ou quanto restrita, dado que é cada vez mais rigorosa no processo de recrutamento de novos membros, dando primazia aos meios humanos altamente qualificados, garantindo que estes estejam à altura dos árduos desafios que esta polícia enfrenta. Por sua vez, tem feito um trabalho notável no que à sua modernização diz respeito, uma vez que cria as estruturas necessárias à eficiente luta contra a criminalidade, como é disso exemplo, o Laboratório de Polícia Científica. E por último, não nos podemos esquecer da sua vasta experiência de investigação, primordialmente complexa, o que constitui a 46 conjuntura desejável para uma luta eficaz contra o crime. Os dados estatísticos constantes dos Anexos analisados, ao longo do nosso trabalho, são uma tentativa de demonstrar a mais valia da Polícia Judiciária, que apesar de ser um órgão de polícia com imperfeições e com muito trabalho de melhoramento pela frente, tem mantido, ao longo de setenta e um anos de história, a confiança e o respeito dos cidadãos em geral, representando um baluarte da segurança e paz jurídicas. É facto assente que o paradigma da investigação criminal sofreu alterações, quer a nível nacional, quer a nível internacional. A globalização do crime despoletou necessariamente a globalização da atuação policial. Para tal, é necessário que as polícias trabalhem em conjunto, a todos os níveis, quer seja regional, nacional ou mesmo internacional. Torna-se cada vez mais importante a criação de uma rede de sistemas de informação criminal, que facilite e agilize a cooperação das polícias. Não menos importante é o esforço que os vários órgãos de polícia criminal devem fazer para evitar atritos entre eles, tentando sempre manter um relacionamento pacífico. As competências de cada um dos corpos de polícia deve ser delimitada, de forma a evitar sobreposições.
A Portaria n.º 111/2023 veio mitigar o valor-hora pago aos investigadores criminais, que até à publicação da mesma se cifrava em menos de 4€/hora por um Serviço de Piquete de 24h ao fim-de-semana, um dos principais motivos que conduziram à greve ao trabalho suplementar (as 35h semanais foram sempre asseguradas), que vigorou no mês de Abril do corrente ano, passando então a cifrar-se em 7€/hora, sendo tal entendido como um sinal de boa-fé por parte do Governo, motivo pelo qual a medida de luta foi levantada após a publicação de tal diploma. O modelo de trabalho suplementar não se encontra igualmente regulamentado, concretamente a duração máxima do dia de trabalho e do número de horas mensais e anuais.
O estatuto profissional do pessoal da Polícia Judiciária prevê, com fundamento no regime especial de prestação de trabalho, nos ónus inerentes ao exercício das funções, bem assim ao risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados, que os investigadores criminais tenham direito a um suplemento a fixar em diploma próprio, o que ainda não sucede, isto é, os Inspetores da P.J. deparam-se apenas com os ónus associados ao seu trabalho, mas não com a devida compensação financeira por suportarem os mesmos, com inegável prejuízo pessoal e familiar.
Por último, os investigadores criminais da P.J. não podem exercer qualquer outra atividade profissional, pública ou privada, remunerada ou não remunerada (salvo o exercício de atividade docente ou de investigação, mediante ainda assim autorização prévia), sendo-lhes assim vedada a possibilidade de complementar o salário mensal com qualquer outra remuneração.
Atualmente, o prato da balança que pesa a dedicação e o empenho dos investigadores criminais, traduzidos no n.º de horas trabalhadas para além do normal horário de trabalho (com especial incidência noturna) e os correspondentes ónus, encontra-se claramente desequilibrado com o prato da balança da correspondente remuneração, manifestamente insuficiente (e inferior à tabela legal em vigor para os restantes funcionários públicos e privados). O que é inadmissível no Direito do Trabalho destes profissionais !
Em suma ao longo de mais de 60 anos, a Polícia Judiciária sobreviveu às vicissitudes históricas. Representa, aos olhos do cidadão comum, a face visível da ordem e do bem, a derradeira esperança na reposição da legalidade e no restabelecimento dos níveis de credibilidade necessários à plena afirmação da justiça junto da comunidade. É pois, indispensável a existência de um corpo como a Polícia Judiciária para garantir o funcionamento do sistema de justiça criminal.
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