10 de junho e o Portugal de Bandarra, Camões e Pessoa

Ao celebrar o Dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas, somos convidados a mergulhar numa reflexão sobre a essência e o propósito de Portugal no mundo.

  • Opinião
  • Publicado: 2023-06-17 07:56
  • Por: Antero Carvalho

Este dia leva-nos ao passado, revivendo a nossa história e tradições, mas também nos desafia a olhar para o futuro, a definir a nossa missão e o papel que desempenhamos no palco global.

Enquanto poema épico "Os Lusíadas", de Luís de Camões, constitui um marco indelével na literatura portuguesa e na consciência coletiva do povo lusitano. A figura do Cabo das Tormentas, mais tarde renomeado como Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias, é uma representação simbólica de superação, de triunfo sobre a adversidade. Entre tempestades e perigos, os navegadores portugueses arriscando-se no desconhecido, superaram tanto os medos quanto os desafios que para a época representava essa audaz empreitada.

Mas não foi só Camões e os Lusíadas que eternizaram a grandeza do povo Luso, a ideia do Quinto Império, imortalizada por Fernando Pessoa e inspirada nas profecias de Bandarra, descreve um Portugal que tem um papel especial a desempenhar na história do mundo. Esta visão mística não se baseia em conquistas militares ou expansão territorial, mas numa liderança espiritual e cultural que una a humanidade. É uma visão que nos convida a considerar como podemos contribuir para um mundo melhor e mais justo.

As figuras do Encoberto ou o Desejado, características do imaginário sebastianista e presentes nas Trovas de Bandarra, misturam-se à ideia do Cabo das Tormentas. São todos símbolos de esperança, de superação, e da possibilidade de transformação. Como o navegador que, após superar as tormentas, alcança a Boa Esperança, o Encoberto emerge das névoas do tempo para instaurar o Quinto Império.

É interessante a referência feita na citação do termo "após mais 30 tesouras" nas profecias de Bandarra, interpretadas como, 30 anos após a morte de Fernando Pessoa. Pessoa, cujo falecimento se deu em 1935, considerava-se o próprio Encoberto, o arauto do Quinto Império. Se seguirmos essa interpretação das profecias de Bandarra, poderíamos imaginar o ressurgimento do Encoberto por volta de 1965 ou 1966, enquanto ser ou fenómeno que mais tarde se virá a revelar.

Todavia, é importante sublinhar que a figura do Encoberto, ou do Desejado, não necessariamente se vincula a uma entidade física e palpável. Pode também ser encarada como uma ideia, uma aspiração coletiva, uma força que move a humanidade em direção a um futuro mais harmonioso e fraterno. Afinal, é o Espírito que, segundo a conceção do Quinto Império de Pessoa, prevalece sobre a matéria. Dessa forma, o retorno do Encoberto poderia ser interpretado como a emergência de uma nova consciência, uma nova forma de compreender e de se relacionar com o mundo, um despertar para a importância da solidariedade, da tolerância e da paz.

A persistência do sebastianismo na literatura portuguesa, de modo mais notável nas obras de Fernando Pessoa, constitui um reflexo poderoso da eterna busca do ser humano por redenção e transcendência. A figura de D. Sebastião, desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir e aguardado em névoa, ecoa nas profecias de Gonçalo Annes Bandarra, o sapateiro trancosense, adensando o imaginário lusitano e prenunciando o retorno triunfal deste monarca messiânico.

O fenómeno do sebastianismo, que transcende o simples desejo de resgatar a monarquia, é antes uma expressão de uma esperança redentora, simbolizada na figura de um herói salvador. Um rei que desapareceu nas brumas do desconhecido e que, um dia, voltará para restaurar a antiga glória de Portugal.

Mas o sebastianismo, tal como é concebido por Pessoa, vai além de um mero retorno do passado glorioso. Acredita-se na emergência do Quinto Império, um império imaterial que não apenas restaurará Portugal à sua antiga grandeza, mas também trará a paz e a harmonia para o mundo. É um projeto transcendente, que se coloca acima dos quatro impérios anteriores (simbolizados pelos impérios bíblicos: Assírio, Persa, Grego e Romano), e que irá unificar toda a humanidade sob o estandarte de uma força universal.

A crença no Quinto Império revela uma profunda necessidade humana de transcendência e de renovação constante. E aqui encontramos um importante ponto de convergência entre Pessoa e Luís de Camões, com efeito, no Dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas, celebramos não apenas os feitos históricos e literários, mas também essa ideia de transcendência, de um Portugal que se reinventa, que supera as adversidades e continua a sua marcha rumo a um futuro brilhante. Celebramos um Portugal que não desiste, que insiste e persiste, apesar dos desafios e contratempos.

A grande epopeia poética que Camões narrou sobre um povo, o sebastianismo de Pessoa e as profecias de Bandarra revelam muito mais do que uma mera esperança num futuro melhor. Revelam a essência do espírito humano, sempre à procura de redenção e transcendência. E talvez seja essa a grande lição que podemos tirar dessas obras: que, apesar de todas as dificuldades, somos capazes de imaginar e sonhar com um futuro melhor, e de lutar para torná-lo uma realidade. É um testemunho da nossa eterna capacidade de renovação e de superação, um hino à resiliência e ao poder da esperança.

Neste Dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas, celebramos, não só a memória dessas figuras históricas, mas também essa ideia de transcendência, de superação e de constante renovação. Celebramos a esperança num futuro melhor e a aspiração de Portugal e de todos os portugueses à instauração um império de amor, prosperidade e de paz, não só dentro de fronteiras, como além destas.

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