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Recolher, tratar e reintroduzir os Biorresíduos

Embora os biorresíduos representem apenas 8% do total de Gases com Efeito de Estufa (GEE) nas contas nacionais, existe na sua consequente boa gestão, impactos além da contabilidade de emissões de GEE, uma vez que para a sua recolha e tratamento, é exigido uma fatura económico-financeira, social e ambiental, mas também, porque a mais do que evidente incapacidade do planeta gerar os recursos naturais para produção como são, por exemplo, alimentos na quantidade e forma como os consumimos, levam a que a insustentabilidade do fornecimento de alimentos, no futuro, torne a segurança alimentar uma frágil realidade.

  • Opinião
  • Publicado: 2023-08-10 23:12
  • Por: Antero Carvalho

Não será apenas uma questão de custos desses recursos alimentares, pois aí sobraria o problema apenas para os que não podem pagar, mas de um cenário de tal escassez que se chegará a uma situação de absoluta rutura das cadeias de fornecimento e abastecimento mundiais, com resultados globais, à data de hoje, imprevisíveis, mas seguramente difíceis de gerir e enfrentar.  Portanto, se queremos evitar tais cenários, devemos atacar as causas que estão na origem deste, a tempo de evitá-lo. 

 

Mas o que são biorresíduos? 

São resíduos biodegradáveis de espaços verdes, nomeadamente os de jardins, parques, campos desportivos, bem como os resíduos biodegradáveis alimentares, com origem nas cozinhas das habitações, das unidades de fornecimento de refeições de retalho e os resíduos similares das unidades de transformação de alimentos para venda em prateleira.

 

Cenário europeu 

Apesar da gestão de resíduos orgânicos já ser alvo de estudos e de atenção por parte da UE há várias décadas, é notória a diferença ao nível dos sistemas de recolha seletiva e capacidade de tratamento de biorresíduos entre os vários países da Europa. Alguns dos países da Europa Central e do Norte, como a Áustria, a Alemanha, a Bélgica, a Noruega e a Suécia, há praticamente duas décadas que já aplicam sistemas de recolha e tratamento de biorresíduos associados a produção de biocombustíveis, ou compostos fertilizantes, enquanto países como a Bulgária, Croácia, Espanha, Grécia, Polónia e Portugal começaram apenas nos últimos anos a explorar o potencial destes resíduos. 

A diferença de desenvolvimento ao nível da gestão destes resíduos torna-se evidente observando, por exemplo, a quantidade de resíduos enviados para aterro, em cada um destes países. Nos últimos 15 a 20 anos, países como a Eslovénia, a Estónia, a França, a Finlândia, a Itália e o Reino Unido desenvolveram significativamente os seus sistemas de recolha-valorização de biorresíduos, sobretudo para os resíduos verdes e restos alimentares, sendo que em alguns destes casos a compostagem caseira é uma solução com alguma expressão.

Com a aplicação da Diretiva (UE) 2018/851 do Parlamento Europeu e do Conselho de 30 de maio de 2018, também denominada como Diretiva Quadro de Resíduos (DQR), em diversas matérias relativas a resíduos, passou-se de um cenário em que, enquanto meio para assegurar a valorização de resíduos, a recolha seletiva destes, surgia como recomendação com a Diretiva 2008, para um outro cenário, em que a Diretiva 2018 a torna uma obrigação dos Estados-Membros.

No caso do fluxo específico dos biorresíduos, existe um dever alternativo, relativamente aos quais os Estados-Membros podem optar, pela separação e reciclagem na origem ou pela recolha seletiva. Os Estados-Membros foram obrigados a apresentar à Comissão Europeia um relatório sobre a recolha seletiva de biorresíduos até 31 de dezembro de 2021, incluindo o âmbito material e geográfico abrangidos pela recolha seletiva e sobre as eventuais aplicações das derrogações previstas na Diretiva 2018.

Das obrigações decorrentes da Diretiva 2018, relativamente aos objetivos, foram estabelecidos os seguintes prazos, para aumentar a taxa de preparação para a reutilização e reciclagem de Resíduos Urbanos (RU): Até 2025 para 55%, até 2030 para 60% e até 2035 para 65%. 

A mesma, estabelece que até 31 de dezembro de 2023, os biorresíduos sejam separados e reciclados na origem, ou são recolhidos seletivamente e não são misturados com outros tipos de resíduos. Todavia, a Diretiva 2018 permite aos Estados-Membros pedir derrogação à obrigação de recolha seletiva caso seja técnica, e/ou económica e/ou ambientalmente inviável. Segundo um estudo encomendado pelo estado português, através da APA, à Ernst Young (EY) em 2019, na melhor das possibilidades, caberão dentro desta derrogação, entre 20% a 27% do total de biorresíduos produzidos, e para regiões de Portugal que poderão ser elegíveis para tal medida.

Esta, estabelece ainda como meta, até 2035, a redução da deposição em aterro para um máximo de 10 % de todos os resíduos. Esta meta visa reforçar a necessidade de recolher seletivamente os biorresíduos, que representam uma fração significativa dos resíduos urbanos em Portugal, concretamente 37%. 

Estas novas metas e exigências comunitárias reforçam o princípio da hierarquia de resíduos, destacando a importância de prevenir, reutilizar e reciclar os resíduos inerente à gestão de resíduos, Urbanos e Não-Urbanos. No entanto, os Estados-Membros são autónomos na tomada das suas decisões relativas às estratégias a adotar para a gestão dos seus resíduos, sendo que a Diretiva 2018 apresenta sugestões de como os Estados-Membros podem cumprir as metas estabelecidas.

 

Cenário nacional

Portugal tem em prática o Plano Nacional de Gestão de Resíduos (PNGR 2030), bem como junta as sinergias na gestão de diferentes tipologias de resíduos, enquadrando o PNGR 2030, estrategicamente, com os dois planos setoriais de cariz também nacional, que operacionalizam as medidas neste preconizadas, a saber; o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU), por constituir uma tipologia de resíduos com uma gestão própria, com metas específicas, com responsabilidade particular das autarquias e no qual os cidadãos têm um papel determinante, assim como, o Plano Estratégico para os Resíduos Não Urbanos (PERNU), abrangendo as restantes tipologias de resíduos, tendo em conta a disseminação de responsabilidades (produtores/detentores) e a possibilidade de promover sinergias na sua gestão.

Um longo caminho para percorrer e uma urgência a enfrentar

Em Portugal, a produção global de resíduos apresentou oscilações ao longo da última década, não se tendo alcançado a tão urgente e necessária redução pretendida. Em 2019, foram produzidas em Portugal 5,3 Mt de resíduos urbanos (RU) e 11,4 Mt de resíduos não urbanos (RNU). Mas já com dados mais recentes, retirados do portal da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Portugal em 2021 produziu 5,7 Mt de RU, uma média de 511kg/habitante/ano, onde destes, 37% são biorresíduos. 

No que respeita aos RU por tipologia de materiais recicláveis recolhidos, verifica-se que, em 2019, os resíduos com maior representatividade foram: o papel e o cartão, que representam 20,3 %; o vidro, que corresponde a 18,9 % e os biodegradáveis, com 14,6 %. Pese embora se tenha verificado, entre 2016 e 2019, um aumento da recolha seletiva, atingindo, respetivamente, 16,5 % e 21,3 %, os resultados ficam abaixo do exigido pelas regras de redução europeias. Assiste-se ainda a um elevado potencial de resíduos valorizáveis que continua a ter como destino a deposição em aterro.

Relativamente às saídas de resíduos para valorização fora de Portugal, verifica-se, também, que os quantitativos representam um potencial considerável de reintrodução na economia para fecho dos ciclos dos materiais, a nível nacional, que não está a ser aproveitado internamente. Os motivos são de índole diversa, nomeadamente a inexistência de infraestruturas, ou capacidade insuficiente, dificuldades de escala, mas acima de tudo, as causas aparentam estar relacionadas com questões de mercado. Dito de forma simples - pagamos para nos tratarem os resíduos externamente, depois importamos as matérias-primas daí resultantes, pagando por elas. 

No contexto do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), relativos ao desperdício alimentar, tendo em conta os benefícios ambientais, sociais e económicos dessa prevenção, as políticas europeias no âmbito do Pacote para a Economia Circular vieram estabelecer a obrigatoriedade para os Estados-Membros tomarem medidas para promover a prevenção e a redução dos resíduos alimentares, ao longo de toda a cadeia, desde a produção primária até às habitações, no sentido de alcançar uma meta indicativa de redução dos resíduos alimentares a nível da União de 30 %, até 2025, e de 50 %, até 2030.

Pese embora, alguns progressos reais, menos dos que anunciados politicamente, Portugal segue na cauda do plutão dos 27. Preocupante, senhores governantes, muito preocupante, até porque nos arriscamos a ser um dos maus alunos, em matéria de biorresíduos, dentro do que são os objetivos obrigatórios cumprir pelos Estados-Membros, no âmbito da Diretiva Quadro de Resíduos (DQR).

Sugeria aos responsáveis destas pastas, quer os políticos, quer os quadros técnicos com responsabilidades pela execução dos respetivos planos que, acordem para os modelos e boas práticas que se têm apresentado como soluções, nomeadamente, chamar a iniciativa privada, empresas, universidades, etc., por forma a permitir que o país como um todo, disponibilize o seu conhecimento, ciência, capacidade tecnológica, inventiva, inovação e saber-fazer, em prol da prossecução do cumprimento dessas obrigações.

É uma vergonha continuarmos como, um dos países sempre na cauda dos 27, nesta e em outras matérias climáticas.

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