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A mais-valia da Polícia Judiciária na investigação criminal portuguesa

Em matéria de investigação criminal, o grande desafio que hoje se coloca é o de tentar alcançar a eficiência.

  • Opinião
  • Publicado: 2023-12-06 17:49
  • Por: Frederico Mateus Candeias

Não obstante, a eficiência não pode ser alcançada a todo o custo, devendo-se conciliá-la com o ininterrupto respeito pela legalidade. O atual modelo de organização de investigação criminal português reúne as condições essenciais ao combate eficaz das novas expressões de crime organizado, uma vez que conta com o trabalho e experiência da Polícia Judiciária, aliada aos esforços do Ministério Público em procurar exercer eficazmente a ação penal. A Lei de Organização da Investigação Criminal, em vigor, atribui uma competência reservada à Polícia Judiciária. A Polícia Judiciária é hoje o único corpo superior de polícia com competências reservadas para a investigação criminal. É vital ter como assente que quanto mais se investir nas fases preliminares do processo, menos julgamentos desnecessários ocorrem e mais célere se tornará a justiça.

Por conseguinte, vários ordenamentos jurídicos, incluindo o português, têm criado modernos instrumentos de combate ao crime, particularmente novos meios de prova e novos meios de obtenção de prova. São disso exemplo as escutas telefónicas, o registo de imagem e som entre os presentes, novos instrumentos e canais de cooperação internacional, ações encobertas e entregas controladas, entre outros. É de notar que, estes meios, a serem admitidos, nunca podem por em causa os direitos fundamentais. A implementação destes novos instrumentos exigiu e continua a exigir, também, tempos de mudança na Polícia Judiciária. Ao invés do que acontecia com a criminalidade tradicional, a investigação do crime organizado não pode ficar a cargo de um só investigador, mas contrariamente, de uma equipa de investigadores. A atual investigação criminal pressupõe a existência de estruturas orgânicas profissionalizadas e especializadas, dotados de equipamentos e recursos tecnológicos apropriados ao eficaz combate ao crime. 

Lei de Organização da Investigação Criminal: O trabalho dos investigadores criminais da Polícia Judiciária, e respetiva remuneração, encontra-se sumariamente enquadrado nos seguintes diplomas legais:

- Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de setembro, que aprova a nova estrutura organizacional da Polícia Judiciária;

- Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro, que estabelece o estatuto profissional do pessoal da Polícia Judiciária, bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal;

- Portaria n.º 111/2023, de 26 de abril, que estabelece montante de referência para determinação do valor dos suplementos a que tem direito o pessoal da Polícia Judiciária pela prestação de trabalho nas modalidades de piquete, de prevenção e do valor-hora de serviço de prevenção;

- Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

 

Os investigadores criminais da Polícia Judiciária possuem um horário semanal de 35h de trabalho (auferindo o salário constante do anexo I ao Decreto-Lei n.º 138/2019), como qualquer outro funcionário público, a que acresce a prestação de trabalho em regime de Piquete (24h presencial) ou de Prevenção (“à chamada”, o que significa estar preparado a qualquer hora da noite e/ou ao fim-de-semana), com o intuito de dar resposta aos fenómenos criminais ocorridos fora do convencional horário 09:00-17:30  (recebendo por esse serviço os montantes estipulados na Portaria n.º 111/2023), podendo a semana de trabalho exceder em dezenas de horas o comummente estabelecido (convém referir que os Inspetores não recebem subsídio de turno).

A Polícia Judiciária é legalmente definida como um corpo superior de polícia criminal organizado hierarquicamente na dependência do Ministério da Justiça, sendo um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa. Tem por missão coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover ações de prevenção, deteção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes.

Quanto à investigação criminal propriamente dita, mais concretamente a nível interno, o n.º 1 do artigo 5º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária remete para a Lei de Organização da Investigação Criminal, que no seu artigo 7º estabelece a competência da Polícia Judiciária em matéria de investigação criminal. Deste modo, a Polícia Judiciária tem, por um lado, competência reservada para crimes de maior complexidade, enumerados naquela norma, e tem, por outro, competência para investigar os crimes que lhe sejam cometidos pela autoridade judiciária competente. Por sua vez, no tocante à cooperação internacional, a Polícia Judiciária deve garantir o funcionamento dos gabinetes nacionais da Interpol e da Europol.

Efetivamente, não devem existir quaisquer dúvidas relativamente ao facto de que o contributo da Polícia Judiciária na investigação criminal é fulcral para o sucesso do processo criminal e para a prossecução da justiça.

Lamentavelmente, neste domínio, a Polícia Judiciária está carenciada, na medida em que os seus quadros só estão ocupados a 56,3%. 

As novas ameaças com que o mundo se depara e os novos e constantes desafios exigem que a Polícia Judiciária esteja sempre à altura de adequar as suas capacidades às novas realidades. Como tal, a Polícia Judiciária tem-se vindo a modelar e a criar as condições necessárias a um eficaz combate ao crime. Também em termos de estruturas, modernizou-se, ao adquirir equipamentos sofisticados, possibilitando que cumpra a sua missão de forma mais célere. Pela mesma razão, criou-se o Laboratório de Polícia Científica, preparado para realizar perícias forenses altamente especializadas nos mais variados domínios, designadamente, biologia, toxicologia, física, química, balística, tratamento de documentos, escrita manual e criminalística. Pela mesma razão, fomentou e continua a fomentar, em crescendo, a comunicação, tanto a nível interno como a nível externo, com outros órgãos de polícia criminal nacionais e com polícias e organizações internacionais, com as quais realiza permutas de informações vitais para a luta contra o crime. Designadamente, criou a Unidade de Cooperação Internacional, para centralizar o intercâmbio de contactos com aquelas instituições. Em suma, a intervenção da Polícia Judiciária na investigação criminal deve ser entendida como uma mais-valia, dado todo o seu acervo técnico-científico, experiência e saber criminalístico acumulado.

 

Por sua vez, tem feito um trabalho notável no que à sua modernização diz respeito, uma vez que cria as estruturas necessárias à eficiente luta contra a criminalidade, como é disso exemplo, o Laboratório de Polícia Científica. E por último, não nos podemos esquecer da sua vasta experiência de investigação, primordialmente complexa, o que constitui a conjuntura desejável para uma luta eficaz contra o crime. É facto assente que o paradigma da investigação criminal sofreu alterações, quer a nível nacional, quer a nível internacional. A globalização do crime despoletou necessariamente a globalização da atuação policial. A Portaria n.º 111/2023 veio mitigar o valor-hora pago aos investigadores criminais, que até à publicação da mesma se cifrava em menos de 4€/hora por um Serviço de Piquete de 24h ao fim-de-semana, um dos principais motivos que conduziram à greve ao trabalho suplementar (as 35h semanais foram sempre asseguradas), que vigorou no mês de Abril do corrente ano, passando então a cifrar-se em 7€/hora, sendo tal entendido como um sinal de boa-fé por parte do Governo, motivo pelo qual a medida de luta foi levantada após a publicação de tal diploma. O modelo de trabalho suplementar não se encontra igualmente regulamentado, concretamente a duração máxima do dia de trabalho e do número de horas mensais e anuais. 

 

O estatuto profissional do pessoal da Polícia Judiciária prevê, com fundamento no regime especial de prestação de trabalho, nos ónus inerentes ao exercício das funções, bem assim ao risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados, que os investigadores criminais tenham direito a um suplemento a fixar em diploma próprio, o que ainda não sucede, isto é, os Inspetores da P.J. deparam-se apenas com os ónus associados ao seu trabalho, mas não com a devida compensação financeira por suportarem os mesmos, com inegável prejuízo pessoal e familiar.

 

Por último, os investigadores criminais da P.J. não podem exercer qualquer outra atividade profissional, pública ou privada, remunerada ou não remunerada (salvo o exercício de atividade docente ou de investigação, mediante ainda assim autorização prévia), sendo-lhes assim vedada a possibilidade de complementar o salário mensal com qualquer outra remuneração.

 

Atualmente, o prato da balança que pesa a dedicação e o empenho dos investigadores criminais, traduzidos no n.º de horas trabalhadas para além do normal horário de trabalho (com especial incidência noturna) e os correspondentes ónus, encontra-se claramente desequilibrado com o prato da balança da correspondente remuneração, manifestamente insuficiente (e inferior à tabela legal em vigor para os restantes funcionários públicos e privados). O que é inadmissível no Direito do Trabalho destes profissionais !

Em suma ao longo de mais de 60 anos, a Polícia Judiciária sobreviveu às vicissitudes históricas. Representa, aos olhos do cidadão comum, a face visível da ordem e do bem, a derradeira esperança na reposição da legalidade e no restabelecimento dos níveis de credibilidade necessários à plena afirmação da justiça junto da comunidade. É pois, indispensável a existência de um corpo como a Polícia Judiciária para garantir o funcionamento do sistema de justiça criminal.

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