Nesta campanha, o Chega inventou o grito “nem mais um!”, que nega ser de ódio contra os imigrantes. No último dia, André Ventura ensaiou um discurso de incitamento contra os jornalistas, depois de ter manipulado nas redes sociais um vídeo da sua conversa com um imigrante. Acusou primeiro a SIC e depois os jornalistas em geral de serem “inimigos do povo”, a mesma formulação de Donald Trump usa com frequência para atacar a imprensa. Conversa termina com Tânger Corrêa a mandar os jornalistas fazerem “perguntas aos cãezinhos”.
André Ventura e os principais dirigentes do Chega estão a partilhar nas redes sociais um vídeo truncado e manipulado, atribuído à SIC - mas sem corresponder à peça da SIC -, de um imigrante do Bangladesh, chamado Iqbal, dando a entender que o homem mentiu quando abordou André Ventura na Póvoa de Varzim, ao dizer que trabalhava nas estufas mas que também era pescador, o que não corresponde à verdade (como se pode verificar através da visualização do bruto das imagens).
Confrontado pelos jornalistas, antes de uma arruada em Valença, André Ventura imitou exatamente o que Donald Trump faz frequentemente nos Estados Unidos para atacar os órgãos de comunicação social, chamando aos jornalistas “inimigos do povo”.
Questionado sobre a manipulação feita do vídeo nas redes sociais, o líder do Chega acusou a SIC (propriedade a Impresa, também dona do Expresso), nestes termos: “Vocês ontem foram os inimigos do povo, os inimigos das pessoas. Ao partilhar uma peça mentirosa, falsa, a manipular as pessoas. Bastava estar a olhar para a memória, para a TVI e via-se a diferença”. Depois fazia a mesma acusação, de forma mais generalizada.
Sem assumir a manipulação das imagens partilhadas por dirigentes do Chega, como a sua diretora de comunicação, a deputada Patrícia Carvalho, André Ventura disse que a SIC fazia jornalismo “miserável” por não fazer o “jornalismo básico”, que é “dar a resposta da pessoa que é confrontada. Já a TVI fez”. E qual foi a resposta de Ventura ao imigrante não citada? Não foi de conforto, mas que primeiro estão os portugueses. Eis a frase da resposta do líder do Chega ao imigrante: “Acredito que muitos portugueses não querem trabalhar no mar, mas esse é um problema da empresa. O Estado não pode estar a dar casas a outras pessoas quando não há para os nossos, percebe?”
Segue em baixo a transcrição do diálogo, ocorrido esta quinta-feira, na Póvoa de Varzim, entre o imigrante e André Ventura - que tem instigado os militantes do Chega e os seguidores nas redes sociais contra a imigração com o grito “nem mais um!” O homem, refira-se, tinha limitações em expressar-se em português:
Iqbal: Tratei de visto, tenho tudo direitinho… pescadores da Indonésia são 85%, trabalho muito duro.
Ventura: Você trabalha na pesca?
Iqbal: Eu trabalho na estufa. Minha mulher não quer ficar cá… Ela… dormir no barco, muitas pessoas reclamar. Eu não quero reclamar.
Ventura: Acredito que muitos portugueses não querem trabalhar no mar, mas esse é um problema da empresa. O Estado não pode estar a dar casas a outras pessoas quando não há para os nossos, percebe?
Iqbal: E como vai fazer isso? Sem pescadores como faz a pesca?
Ventura: Temos de ter uma pesca forte, mas temos de deixar que os direitos de todos sejam respeitados. Você não tem casa é isso?
Iqbal: Não quero dizer casa, quero dizer para outras pessoas… também para mim. Tinha cá filha, e mandei, eu estou muito triste [começa a chorar], mandei filha embora porque há muitas pessoas racistas…
Ventura: Compreendo… Eu não me vou esquecer.
A chorar e a falar português, Iqbal contou que está em Portugal há três anos, legalizado e documentado, explicando ter uma filha que nasceu no país, mas que mandou para a Indonésia, de onde é natural a sua mulher, por sentir hostilidade e racismo. O imigrante acusou o líder do Chega de populismo, de fomentar o racismo e de reclamar, mas de não apresentar soluções. Depois de a caravana passar, e quando os jornalistas falavam com Iqbal, um dos simpatizantes do Chega gritou para os jornalistas: “Não lhes deem palco!” e “viva Portugal”.
Tal como outros dirigentes nas redes sociais, o líder do Chega ainda acusou, sem provas, o imigrante de estar a ser instrumentalizado “pela esquerda política que é quem mete estas pessoas todas à minha frente durante o tempo todo”. Quem conduziu o homem até Ventura foi um elemento da comitiva do Chega.
O Expresso perguntou a Ventura se estava a imitar Donald Trump, que já usou a acusação aos jornalistas várias vezes: “Também já disse Deus acima de todos e não estou a imitar ninguém. Estou a dizer aquilo que eu acho. E você está a imitar o Fernando Mendes por fazer perguntas assim?” Toda a comitiva achou muita graça e aplaudiu.
Depois das declarações de André Ventura, os jornalistas pediram ao cabeça de lista, Tânger Corrêa, para esclarecer a frase do dia anterior, quando apelou para “toda a gente votar no único partido que não vai para Bruxelas defender os animais, as plantas, os jardins ou eles próprios.” O embaixador, que sempre teve cães, alega que “ninguém gosta mais de animais” do que ele, mas não revelou o alvo das suas críticas, porque não faz uma campanha “a insultar toda a gente”. Em dia de atirar aos jornalistas, o candidato seguiu o exemplo do líder e rematou assim a última arruada da campanha, quando questionado sobre se acreditava nas alterações climáticas: “Isso é pergunta que se faça? Se quisesse ser desagradável diria ‘olhe, vá perguntar aos cãezinhos que eles logo lhe responderão’”.
Subscreva à nossa Newsletter
Mantenha-se atualizado!
© - Diário Digital Castelo Branco. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por: Albinet