Os ministros do Ambiente da União Europeia (UE) encerraram uma odisseia legislativa de um ano ao concordar com as regras que visam restaurar pelo menos 30% dos tipos de habitats da UE e 20% das áreas terrestres e marítimas do bloco até 2030, com cada Estado-membro livre para decidir em que medida contribuirá para as metas gerais.
A estrutura da Lei de Restauração da Natureza (NRL) fornece orientações claras sobre o que restaurar, mas não especifica quem deve pagar por isso.
Os Estados-membros da UE podem incluir o setor privado nos seus planos para atingir as metas nacionais, já que o financiamento público será insuficiente, e com a legislação recém-aprovada, esta dará lugar ao surgimento e dinamismo de mercados de crédito de carbono, biodiversidade e de outros ativos ambientais. Embora a lei não inclua obrigações específicas para as empresas, ela dá aos Estados-membros autonomia e flexibilidade em termos das medidas que podem ser implementadas para reforçar os esforços de restauração nos seus territórios. O financiamento público não será suficiente, será necessário contar com a iniciativa e o setor privado para viabilizar tamanho desafio dentro do calendário exigido por lei.
A Agência Europeia do Ambiente (AEA) é o organismo encarregado de avaliar os Planos Nacionais de Restauro (PNR) que os países são obrigados a elaborar ao abrigo da NRL. Previstos para serem apresentados até agosto de 2026, esses planos devem definir as áreas que cada país vai restaurar, bem como as medidas que pretendem implementar para atingir as metas.
Mercados Voluntários (com regras)
Embora a lei não mencione explicitamente créditos de carbono, biodiversidade e outros ativos ambientais, ela pode abrir a porta para mercados voluntários “supervisionados”, através das designadas "regras de ajuda", utilizando-as como instrumentos de orientação e potencializando estes, como mecanismos de financiamento. A partir daqui, é possível promover o financiamento de medidas de restauração da natureza de maneira mais transparente e segura, incluindo apoio baseado em resultados e esquemas inovadores, como sistemas de certificação de remoção de carbono, custódia de biodiversidade e outros ativos ambientais. O investimento privado também pode ser incentivado através de regimes de investimento público, incluindo instrumentos financeiros, fiscais, subvenções e outros mecanismos, desde que as regras em matéria de auxílios estatais sejam respeitadas.
É isso que provavelmente faria a diferença, no aumento do interesse e do envolvimento das empresas, com os créditos ou ativos, no que a NRL chama de "regras de ajuda". Ou seja, as 'regras de ajuda' são direções e regras abrangentes que lhes permitirão operar com confiança e segurança, podendo efetuar reivindicações dentro dos limites da Diretiva Green Claim aprovada no ano passado, sendo parte do pacote do Green Deal da EU.
A NRL é uma excelente oportunidade para aumentar a responsabilidade das empresas no processo de restauro e proteção da natureza. Isto terá impacto dentro e fora do mercado da união europeia, visto que muitas empresas sediadas na Europa operam em todo o mundo e serão encorajadas a agir assim também fora das fronteiras da união.
A NRL fornece definições muito úteis, etapas e horizontes temporais. Esta lei faz parte da política do European Green Deal, que inclui a divulgação obrigatória pelas empresas das suas atividades, diretas e indiretas e os impactos na natureza. Ao abrigo da Diretiva de Relato de Sustentabilidade Corporativa da UE (CSRD), mais de 50.000 organizações, terão de divulgar informações sobre as suas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) a partir de 2025, com as 12 Normas Europeias de Relato de Sustentabilidade (ESRS) definindo as regras técnicas.
Compensação Vs. Adicionalidade
Como a compensação exige equivalência total, isso poderia excluir a prioridade dos ecossistemas mais degradados que estão além das operações corporativas e das suas cadeias de valor. Eventualmente, pode aplicar-se de maneira diferente em cada geografia, país ou ecossistema específico, significando que os Estados-membros terão a palavra final. Mas essa definição deverá constar do Plano Nacional de cada Estado-membro.
Existem perigos no uso de compensação no contexto da NRL, já que a lei visa garantir adicionalidade. Se os países forem compensar, eles devem garantir que o que estão a restaurar tenha um valor maior para a natureza. Faria muito sentido que essas medidas de compensação ocorressem nas áreas de restauração que o Plano Nacional identifica como áreas prioritárias, ou até obrigatórias. Ou seja, essa adicionalidade, não deve ser deixada à definição caso a caso, mas sim, deve ficar identificada, quantificada e projetada, de forma muito clara nos Planos Nacionais.
A NRL também exige que os governos estabeleçam estruturas de monitorização para rastrear os resultados da restauração, esperando-se que os países apresentem propostas e relatórios de como essa progressão está a ocorrer em relação às medidas e metas planeadas. Embora alguns Estados-membros já estejam a trabalhar em projetos e planos de restauração há muito tempo, a maioria terá de melhorar e aumentar os esforços de monitorização. Todos os países, mesmo os que já têm planos de restauro a acontecer, devem sentar-se e pensar em como querem alinhar esse trabalho com esta nova realidade.
Os esforços no rastreamento do progresso dos projetos de restauro da natureza exigirão financiamento adicional, parte dos custos pode ser coberto pelas empresas que contribuem negativamente para a degradação desses ecossistemas. Há estratégias para encontrar soluções de como pagar por esses custos, incluindo a “responsabilidade estendida do produtor” ou “responsabilidade social do setor”, onde os responsáveis pelos impactos negativos, não só deverão pagar os custos de restauro, como também terão de contribuir para monitorizar e certificar o seu progresso.
Para a NRL ser eficaz, os Estados-membros terão de garantir que as penalidades pela destruição da natureza sejam mais altas do que os custos de Medição, Registo e Verificação (MRV). Se o custo das penalidades for menor, as empresas simplesmente absorverão esse custo. Além disso, os países devem alinhar os subsídios agrícolas com a NRL, pois esses incentivos à agricultura, muitas vezes resultam em perda de biodiversidade. Se os Estados-membros não fizerem isso, estarão apenas a dividir águas, investindo numa área e prejudicando outra. E isso resultará numa falsa compensação, ironicamente, numa dupla falta, por incumprimento quanto à adicionalidade das metas nacionais como um todo.
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