A Europa e o mundo estão a passar por mudanças que trarão impactos importantes. Estamos a assistir a um ambiente agressivo e incerto quanto ao futuro e à prosperidade do velho continente.
Situações como os conflitos entre a Ucrânia e a Rússia, as pressões económicas provocadas pela legislação que tenta restabelecer o equilíbrio que a Europa perdeu devido à deslocalização de indústrias para países emergentes no passado recente, ou pela perda de competitividade ao nível da inovação em atividades emergentes, têm contribuído para esta incerteza.
Além disso, a Europa tem tentado, com razão, manter-se como líder da agenda climática, uma vez que sabemos o quão pesada será a fatura a pagar pelas futuras gerações caso nada seja feito no combate aos fenómenos que estão a provocar as alterações climáticas. Isso inclui a alteração da matriz de produção e de consumo, tendo como cerne, obviamente, as matérias-primas e as fontes a partir das quais a energia é produzida, a forma como nos movemos, como nos vestimos, como comemos, como vivemos e até mesmo como exercemos o direito humano ao lazer e à diversão.
Tudo isto tem trazido uma necessidade premente aos países desenvolvidos, nomeadamente aos países europeus e ao bloco da União Europeia, de criar pacotes legislativos que respondam a três grandes necessidades que não são só da Europa, mas de toda a humanidade: segurança, saúde e bem-estar, e, ambiente e economia. Obviamente, todas estas só são possíveis se forem criadas as condições de prosperidade e de equilíbrio económico e social.
É no âmbito destas profundas alterações que, ao serem aplicados estes pacotes legislativos que a Europa tem vindo a assumir e a aprovar, sentiremos nos próximos anos, provavelmente em 10 a 15 anos, os efeitos do que poderão ser alterações profundas na realidade das sociedades. Isso inclui as grandes, médias e pequenas cidades da Europa, bem como os meios rurais e naturais deste velho continente.
É preocupante perceber que estas alterações não são tão percetíveis quanto gostaríamos por parte do senso comum, ou seja, da opinião pública. Assusta ainda mais perceber que nem mesmo os formuladores de políticas públicas, ou seja, os políticos no poder, quer seja nos países membros, quer nas regiões, compreendem o impacto que estes pacotes legislativos terão. Por exemplo, as políticas de desenvolvimento regional aplicadas nos projetos e planos estratégicos de desenvolvimento regional, municipal ou até mesmo nacional, muitas vezes estão em desacordo com os projetos de lei, regulamentos e legislação já aprovados no Parlamento Europeu e em vigor. Muitas vezes, devido ao atraso do país membro, essas leis ainda não estão plenamente aplicadas em instrumentos operacionais, ou seja, leis nacionais que deveriam obedecer ao que é a política comum.
Como exemplo, gostaria de referir duas cidades próximas do interior de Portugal, onde a matriz de desenvolvimento — ou seja, os caminhos seguidos, as políticas e as facilidades criadas — diferem significativamente, levando a diferentes tipos de desenvolvimento local. Concretamente, refiro-me à Beira Interior, onde temos basicamente três tipologias de políticas de desenvolvimento em três cidades, distantes entre si por uma ou duas dezenas de quilómetros, como são o eixo Covilhã-Fundão-Castelo Branco.
Quando olhamos para estas três cidades, rapidamente percebemos a dicotomia absurda em que se realizam políticas de desenvolvimento regional e nacional sem ter em conta os alinhamentos com os pacotes legislativos e a estratégia comum europeia. Quando pensamos no desenvolvimento destes três eixos — segurança, saúde e ambiente — e quando falamos em segurança, falamos também em segurança alimentar, não apenas na segurança das populações, confiança, criminalidade ou até mesmo cenários de combate, convulsões sociais ou guerras.
Quando falamos em saúde, referimo-nos à saúde e bem-estar, mas também consideramos as políticas de desenvolvimento que combatam o isolamento das populações e as doenças do envelhecimento, entre outros aspetos. Quando falamos em ambiente, referimo-nos a cruzar tudo isso com o desenvolvimento económico sustentável e com a proteção da natureza. A partir desse desenvolvimento económico sustentável, consideremos as obrigações dos países e das regiões da Europa.
Por exemplo, relativamente ao pacote legislativo sobre reciclagem e combate aos desperdícios — que abrange desde os biorresíduos aos têxteis e todos os outros resíduos urbanos — percebemos rapidamente que a nova redação da Diretiva-Quadro de Resíduos da União Europeia obrigará a conceitos como a responsabilidade alargada do produtor, não só para os têxteis como para outros materiais e resíduos. Isso levará certamente a repensar toda a indústria do consumismo exacerbado em que vivemos, provocando uma desaceleração da produção em massa e uma obrigatória transformação do tecido empresarial.
Como no passado, profissões de restauro de produtos, que aumentam o tempo de vida desses mesmos produtos, voltarão a ganhar destaque. Não mais a industrialização que responde a um consumo rápido, mas sim profissões de restauro, preservação e aumento do tempo de vida útil dos produtos através da reutilização. Falamos de costureiros, sapateiros, todos eles incorporando não só o serviço de restauro e reparação do produto, mas também o redesign do próprio produto, criando valor acrescentado e tornando únicos os produtos que passam pelas suas mãos. Isso pode incluir produtos para o lar, a manufatura ou utilização de produtos vindos da reciclagem ou matérias-primas recicladas, ou até uma nova forma de nos alimentarmos, uma nova forma de socializarmos quando nos alimentamos — falamos da restauração — e uma nova forma de pensar o desperdício alimentar resultante dos consumos desadequados em que vivemos.
É certo que, quando olhamos para uma cidade como a Covilhã ou uma cidade como Castelo Branco, percebemos diferenças nos modelos de desenvolvimento regional. A Covilhã optou por um modelo que ainda atrai uma quantidade enorme de construção de metros quadrados de espaços comerciais, com o objetivo da venda massificada de produtos de rápido descarte, como é o caso da indústria da moda rápida e têxtil para o lar, evidente nas infraestruturas que estão a ser construídas na parte baixa da cidade.
Em contrapartida, temos um modelo de desenvolvimento como o de Castelo Branco, onde a cidade privilegia o desenvolvimento de parques naturais e espaços verdes, não incentivando, na mesma dimensão, o desenvolvimento de unidades de venda de produtos para descarte rápido das grandes marcas.
Já se percebeu há muito tempo — basta olharmos para os líderes dos chamados produtos de consumo rápido, como o Grupo Inditex e outras marcas — que estão a reduzir significativamente a sua presença em lojas físicas, pois perceberam que o fenómeno desenfreado de produção e venda de moda rápida para vestuário ou para o lar deixará de fazer sentido e deixará de poder existir no contexto do novo pacote legislativo e das novas políticas europeias.
Isto ocorrerá porque a Europa é líder na coragem de tomar medidas sustentáveis para combater fenómenos que afetam profundamente não só o ambiente, mas também a riqueza e o poder de compra das populações. Um modelo de desenvolvimento económico que permite a criação desenfreada de milhares de metros quadrados de superfície para venda de produtos de descarte fácil — como o modelo aplicado atualmente na Covilhã — cria não só uma falsa ideia de desenvolvimento económico e social, como também gerará, num curto espaço de tempo (certamente de 5 a 7, no máximo 10 anos), um fosso enorme que trará consequências devastadoras.
Isto porque os empregos que serão criados são de baixa remuneração e muito voláteis, estando sujeitos a um fenómeno inevitável que irá acontecer, pois já está em contraciclo: o fecho deste tipo de estabelecimentos. Neste momento, estas grandes marcas procuram ainda escoar produtos e encerrar o ciclo das próprias empresas e conceitos, voltando-se para pequenas cidades ávidas deste modelo de desenvolvimento, enganadas pelos seus políticos. Isto leva a que as populações acreditem que construir inúmeros metros quadrados de superfícies e centros para venda de produtos descartáveis que ninguém quer ou consumirá por mais de um ano é um modelo sustentável, que criará empregos de baixa remuneração e baixo valor acrescentado. Quando estas lojas fecharem, centenas de trabalhadores ficarão sem emprego, sem qualquer qualificação profissional ou esperança, a não ser o suporte do Estado português através de subsídios de desemprego, e depois logo se verá o que acontecerá.
Portugal, a Beira Interior e a Europa já cometeram estes erros no passado. Políticos sem escrúpulos, sem visão, tiveram a insensatez ou pouco discernimento de tomar medidas deste tipo, tendo criado, no passado, a situação de desindustrialização pela qual a Europa passou, o desinvestimento e a fuga de cérebros que Portugal viveu, bem como a enorme carência que a Beira Interior enfrentou quando perdeu a competitividade nos têxteis. Esta última só se salvou, no caso da Covilhã, com a fixação da Universidade da Beira Interior. As restantes regiões, como as outras cidades da Beira Interior, tiveram de se reinventar ou adaptar à nova realidade.
Se no passado tudo isto tinha um prazo mais alargado para adaptação, apesar do sofrimento e das dificuldades financeiras, havia tempo para ajustar. As transformações pelas quais vamos passar não terão um período tão extenso. Elas ocorrerão em 5 a 7 anos, no máximo 10, enquanto no passado ocorreram em 30 ou 40 anos. Estamos, portanto, a falar de uma intensidade superior em menos de metade do tempo.
Isto significará um efeito terrível sobre a realidade económica e social dos países e, especificamente, de Portugal, principalmente nas regiões de baixa densidade populacional, como as pequenas cidades do interior, nomeadamente na Beira Interior. Nessas regiões, temos políticas de desenvolvimento regional com uma dicotomia absurda em relação ao que deveria ser a realidade, pois esta está delineada no pacote legislativo europeu, e dela não podemos fugir.
É absurdo ver como políticos locais tomam medidas e aplicam práticas de desenvolvimento regional que contrariam a política comum europeia. Isso leva-nos a crer que ou estão alheios à realidade ou estão plenamente conscientes do que fazem e agem por interesses próprios ou partidários, visando essencialmente a reeleição, pois as medidas são populistas.
Ver crescer enormes centros comerciais e vastos metros quadrados de superfície parece ser desenvolvimento para o cidadão incauto. Contudo, segundo a política europeia comum, isto é desenvolvimento insustentável, que já demonstrou há muito não poder continuar. É necessário refrear processos como o turismo de massas e adequar os fluxos migratórios. É imperativo repensar as políticas de desenvolvimento regional e nacional, tendo em conta critérios de desenvolvimento ambiental e o que entendemos por desenvolvimento económico e social equilibrado, visando um desenvolvimento ambiental que permita um desenvolvimento económico sustentável a médio e longo prazo.
É preciso cumprir a lei, que estabelece que, nas cidades, mesmo ao nível da impermeabilização, quando construímos metros quadrados, devemos respeitar a equivalência em espaços ambientais dignos e adequados para esse número de pessoas. Não podemos concentrar áreas comerciais que atraem grandes multidões sem adequar o restante da cidade à dinâmica e às necessidades que esses fluxos massivos de população momentânea trarão.
Atualmente, não há infraestruturas, não há equilíbrio, não há cumprimento da legislação sequer nestes modelos de desenvolvimento regional. É necessário refletir sobre tudo isto. Precisamos que surjam pensamentos claros e elucidativos para contrapor os fundamentos errados transmitidos ao senso comum — a opinião pública — para que se perceba que a fatura a pagar não será em 50 anos. Certamente não será o político que hoje executa uma política inadequada, visando a reeleição, que sofrerá as consequências, pois estas virão em um, dois ou três mandatos. O político sem escrúpulos que, de forma inadequada, consciente ou inconsciente, trabalha na construção do seu próximo mandato tem de ser desmascarado.
É necessário trazer clareza e mostrar que há um incumprimento legislativo nos alinhamentos europeus relativamente aos modelos de desenvolvimento sustentáveis que a Europa deseja, que financiará e apoiará, e aqueles que são modelos insustentáveis, desalinhados com este pensamento, esta legislação e este pacote integrado que é o bloco económico europeu, e que os países têm de absorver nas leis nacionais e nos instrumentos operacionais de desenvolvimento, sejam eles regionais ou nacionais.
É imperativo repensar tudo isto. Precisamos pedir aos políticos que, de uma vez por todas, não pensem única e exclusivamente na sua reeleição, mas que obedeçam e tenham a coragem política de responder às necessidades de desenvolvimento da região que governam ou administram, em nome do povo, com rigor, ética, verdade e, principalmente, com profissionalismo político, lembrando que a política serve o bem comum.
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