Quando a Luz do teu Corpo me Cega, livro de poesia de Gonçalo Salvado com capa e desenhos do arquiteto Siza Vieira e com um ensaio de abertura de Maria João Fernandes foi apresentado, a 10 deste mês de Dezembro, no auditório da Biblioteca Nacional, em Lisboa.
A apresentação presidida pelo Diretor da Biblioteca Nacional, o historiador e Professor Diogo Ramada Curto ficou a cargo do poeta e ex-ministro da Cultura Luís Castro Mendes, e da poetisa, ensaísta e crítica de arte, Maria João Fernandes.
Na cerimónia marcaram presença, além do Diretor da Biblioteca Nacional, a representante da Câmara de Proença-a-Nova, Catarina Lopes Alves.
Da sessão fez parte o visionamento de um depoimento que transcrevemos, de Álvaro Siza Vieira gravado em vídeo referindo-se ao livro e ao autor: “felicito a publicação de mais um livro do poeta Gonçalo Salvado de cuja poesia sou apreciador, como sou de toda a boa poesia. Desejando que este belo livro ao qual juntei o meu traço tenha o sucesso merecido.”
Um retrato de Gonçalo Salvado realizado pelo pintor Emerenciano Rodrigues esteve em exposição e em estreia na sessão.
O livro apresenta-se em duas edições, uma delas especial, em braille com o título Luminea, composta por uma seleção de poemas e incluindo um desenho de Siza Vieira na capa com a colaboração do Centro de Recursos para a Inclusão Digital da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria, ambas as edições apoiadas pela Câmara Municipal de Proença-a-Nova.
Esta edição reúne poemas de Gonçalo Salvado com o tema da luz no contexto amoroso, recorrente na poesia do autor, conta com um texto de abertura de Maria João Fernandes e pretende representar uma homenagem a Luís Vaz de Camões, por ocasião dos 500 anos do seu nascimento, a partir do verso, retirado dos Lusíadas: “Que é grande dos amantes a cegueira”, uma das epígrafes que abre o livro Quando a Luz do Teu Corpo me Cega.
Três serigrafias, numeradas e assinadas por Álvaro Siza Vieira, realizadas pelo Centro Português de Serigrafia a partir dos desenhos que ilustram a obra, acompanham as duas edições. As imagens para as três serigrafias, foram previamente selecionadas e escolhidas pelo seu autor.
Da intervenção do Diretor da Biblioteca Nacional, Diogo Ramada Curto citamos: “Trata-se de um livro de poesia muito belo de que a Biblioteca Nacional tem o gosto e a honra de ser o palco da apresentação (…) Esta obra coloca em evidência a problemática importante do corpo, nomeadamente do corpo feminino no interior da poesia portuguesa. (…) Sobre esta temática lembro as conversas que tive há uns anos, nesta mesma casa, com Alfredo Margarido que me confessava não haver “corpo” na poesia portuguesa, a não ser, talvez, um pouco em Gonçalves Crespo ou em Camilo Pessanha (…) Ignoro se a tese é ou não verdadeira. Certo é que desde estes dois autores até agora muito se passou até chegarmos a este livro de Gonçalo Salvado que hoje nos prova que o tema do corpo está bem vivo na poesia portuguesa.”
Da intervenção de Luís Filipe Castro Mendes que se referiu a esta obra como “um excelente livro de poesia” salientamos: “Este livro, em que Gonçalo Salvado reúne um conjunto de poemas votados ao corpo e ao amor, com uma magnífica interpretação gráfica de Álvaro Siza Vieira, está voltado para o lado claro, solar e de festa pagã do erotismo. É que há um outro lado no erotismo, o lado do terror e da transgressão, que o peso das nossas raízes judaico-cristãs contribuiu para nos impor.
O erotismo destes versos não cede a sua luz irradiante a esses pontos negros da culpabilização e vergonha, que nos marcaram durante séculos. Ele regressa à luminosidade pura da ética pagã e em cada poema um ato de amor realizado nos interpela e desafia.
A poesia do amor cortês, que Rougemont examina no seu L’Amour et L’Occident, é uma poesia da sublimação de um desejo que não pode ser realizado. Petrarca e Camões seguem essa linha, embora encontremos em Camões, homem do Renascimento, uma celebração gloriosa do amor físico, que não tem par na nossa tradição poética. O erotismo nos nossos clássicos vem em geral sublimado num amor “do desejo que permanece desejo” (René Char) que atravessa toda a nossa poesia, de João Roiz de Castelo Branco a Teixeira de Pascoaes.
Se houvesse um par para a poesia a poesia de Gonçalo Salvado, ele seria Eugénio de Andrade, o luminoso e amoroso Eugénio, esse Eugénio que ilumina os corpos na sua dança e vive a sua poesia na claridade solar de um desejo realizado. Gonçalo Salvado dança também com as palavras e nunca esquiva o encontro amoroso dos corpos com a luz viva dos poemas. Essa luz vem dos corpos e vai para os corpos, plenos de realização e êxtase.
O “Paraíso sem mediação”, que Eduardo Lourenço via na poesia de Eugénio de Andrade, encontra-se aqui intensificado numa dimensão carnal que nos poderia até levar à mistica, como nos poetas sufis ou em Santa Teresa de Ávila, se Gonçalo Salvado não estivesse sempre do lado da realidade imanente do amor dos corpos, recusando a fuga para qualquer transcendência.”
Por sua vez Maria João Fernandes referiu-se a esta obra como uma “Verdadeira gramática, quase uma enciclopédia do amor que ficará como uma referência importante do nosso lirismo. Junta num mesmo sortilégio a poesia de Gonçalo Salvado e os desenhos de Siza Vieira e situa-nos de imediato no terreno do mito. (…) A poesia de Gonçalo Salvado alimenta-se dos diversos afluentes, temas de outros dos seus livros, a poesia e os textos de amor ancestrais e da grande tradição do lirismo, do Cântico dos Cânticos, de Safo, Ovídio e Omar Khayyam a Camões, Bocage, Leonardo Coimbra, Florbela Espanca, Pablo Neruda, Octavio Paz, Paul Éluard, Herberto Hélder, António Ramos Rosa e David Mourão-Ferreira, entre muitos outros.
O ritual do amor, nas infinitas variações amorosas da palavra, encontra uma soberba correspondência na eloquente depuração das linhas de Siza Vieira rumo à imaterial transcendência, ao mistério mais absoluto, a que as imagens, literária e plástica, apelam.
Nos desenhos a extrema depuração é eficaz e eloquente. As linhas delicadamente subtis, precisas, preciosas, matisseanas, do arquiteto artista e as palavras densas, enamoradas da claridade, do discurso igualmente depurado do poeta, tendem para a síntese, na infindável litania amorosa, que é uma forma de invocação, um apelo à revelação que por vezes os desenhos parecem não apenas corporizar, mas evocar, invocar.
Celebração da mulher como realidade, como metáfora e como símbolo, e do ritual amoroso a que ela dá um sentido. Mediadora dos elementos, ícone supremo do mundo natural e do mundo sobrenatural, numa sublime fusão do humano, do cósmico e do divino, a sua evidência e o seu mistério diluem-se em pura luz, em cintilantes iridescências, um outro título do autor.
Palavra e imagem desenham um mesmo corpo nas suas variações infinitas. Corpo material e imaterial, real e imaginário, do arquétipo, mais ardente do que o fogo, mais luminoso do que a luz e que traduz a sua essência última, próxima do divino. Inominável.”
Gonçalo Salvado encerrou a sessão dizendo que o seu livro representa um passo que considera importante num percurso já longo dedicado ao amor e ao erotismo: “uma visão muito pessoal que prolonga uma tradição lírica na qual com muita honra me incluo no ano em que se celebram os 500 anos do nascimento de Camões, o poeta dos poetas que este livro igualmente celebra.”
A apresentação da edição especial desta obra, em braille, assim como das três serigrafias, decorrerá em Lisboa na galeria do CPS do Centro Cultural de Belém em fevereiro de 2025. Nessa ocasião, será inaugurada uma exposição dos desenhos originais de Álvaro Siza Vieira e das serigrafias que se associam ao livro.
Recorde-se que as duas edições da obra foram lançadas no passado dia 23 de junho de 2024, na Biblioteca Municipal de Proença-a-Nova tendo sido apresentadas por Pedro Mexia (por videoconferência) e por Maria João Fernandes. Associado ao lançamento foi também inaugurada uma exposição com desenhos originais e serigrafias de Siza Vieira.
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