Em causa pode estar a prática de crimes como corrupção ou favorecimento pessoal, numa investigação policial que decorre há vários meses. O município limita-se a dizer que se encontra “a colaborar com as autoridades, disponibilizando as informações solicitadas”.
As intrincadas relações entre a Câmara de Idanha e uma associação privada que dá pelo nome de Centro Municipal de Cultura e Desenvolvimento de Idanha-a-Nova, também alvo de buscas, foram noticiadas pelo PÚBLICO em Setembro passado. A autarquia comprou no final de 2020 a esta associação, por 260 mil euros, um edifício que era seu há mais de duas décadas e que tinha ficado na posse do centro cultural por usucapião dois meses antes.
Financiado por esta mesma autaquia em montantes próximos do milhão de euros anuais, o Centro Municipal de Cultura não fez qualquer prova documental de que, conforme alegou na escritura de usucapião (que permitiu o registo do imóvel em seu nome para depois o vender ao município), era “dono e legítimo possuidor” do prédio desde que o adquiriu em 1998 “enquanto entidade proprietária da Escola Profissional da Raia — Idanha-a-Nova (EPRIN)”. O estabelecimento de ensino em causa foi igualmente visitado ontem pela Polícia Judiciária.
Por esclarecer está a razão pela qual a câmara optou por montar este complicado negócio e pagar 260 mil euros para ficar com o imóvel em seu nome, quando poderia, sem qualquer gasto, ter registado em seu nome o edifício comprado em 1998.
Uma das hipóteses avançadas por conhecedores locais do assunto reside na transferência encapotada de meios financeiros para esta entidade criada em 1992 como associação de desenvolvimento local sem fins lucrativos e que teve entre os seus fundadores, a título pessoal, o então presidente da câmara, Joaquim Morão, um dos seus sucessores, Álvaro Rocha, e os seus amigos António Realinho e Rui Esteves.
O primeiro foi vice-presidente e director da ADRACES, uma associação criada pelas Câmaras da zona, e condenado em 2018 a quatro anos e meio de prisão efectiva por burla e falsificação; e o segundo teve de se demitir de comandante nacional da Protecção Civil em 2017, depois da divulgação de irregularidades cometidas na obtenção de uma licenciatura. Foi escolhido recentemente pelos presidentes de câmara da região para o cargo de administrador do Hospital de Castelo Branco.
Em 1993, seis meses depois da sua constituição, o Centro Municipal de Cultura e Desenvolvimento de Idanha-a-Nova juntou-se ao seu criador, o município local, e ambos celebraram com o Ministério da Educação um contrato-programa através do qual foi criada a EPRIN, como estabelecimento de ensino privado financiado pelo Estado.
E no mês seguinte foi constituída e registada no Registo Nacional de Pessoas Colectivas uma entidade designada Escola Profissional da Raia — Idanha-a-Nova, “pessoa colectiva regular” com a natureza jurídica de associação de direito privado.
Criada a entidade EPRIN — que se confundia com a câmara e era a responsável formal pelo estabelecimento de ensino —, foi ela que em1998 comprou à Diocese de Portalegre e Castelo Branco o vasto edifício de um antigo colégio católico no qual a escola profissional ainda hoje funciona.
Na escritura, compareceram, “enquanto entidade promotora”, a Câmara de Idanha-a-Nova, representada por um vereador, e dois membros da direcção da associação EPRIN, que eram simultaneamente directores da escola.
Consumado o negócio com o pagamento de 40 mil contos (200 mil euros), a propriedade foi registada na respectiva conservatória em nome da EPRIN e assim se manteve até que, em Outubro de 2020, o Centro Municipal de Cultura conseguiu ficar com ela, recorrendo à figura do usucapião.
Sem estar submetida ao escrutínio a que se encontra obrigada a administração local, esta associação acaba por funcionar como um prolongamento da autarquia, que escolhe o seu presidente.
Por esclarecer está a razão pela qual a Câmara optou por montar este complicado negócio e pagar 260 mil euros para ficar com o imóvel em seu nome".
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