Morreu o papa Francisco

Morreu o papa Francisco, líder da "simplicidade" que a Igreja Católica foi buscar "quase ao fim do mundo"

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  • Publicado: 2025-04-21 04:28
  • Por: Diário Digital Castelo Branco
O Vaticano anunciou esta segunda-feira, 21de Abril, o falecimento do papa Francisco, aos 88 anos. Batizado como Jorge Mario Bergoglio, o bispo argentino nunca sonhou ser o líder da Igreja Católica e, como o próprio disse no dia em que se sentou pela primeira vez na Cátedra de São Pedro, o Conclave foi "buscá-lo quase ao fim do mundo" para suceder a Bento XVI. Sumo Pontífice desde março de 2013, Francisco iniciou uma nova era no Vaticano, marcada pela simplicidade, a humildade e um percurso de proximidade ao mundo.

De ascendência italiana mas nascido no bairro de Flores de Buenos Aires, na Argentina, a 17 de dezembro de 1936, Jorge Mario Bergoglio foi o primeiro papa do continente americano, o primeiro pontífice do hemisfério sul, o primeiro chefe da Igreja Católica não europeu desde há mais de 1.200 anos e também o primeiro jesuíta a assumir as funções no Vaticano. Entre as estreias em Roma, foi também o primeiro papa com o nome Francisco, em referência a São Francisco de Assis, simbolizando humildade e compromisso com os pobres.

O mandato do papa Francisco foi, aliás, marcado por um estilo pastoral próximo do povo, com foco na justiça social e uma tentativa de abertura ao diálogo interreligioso. Francisco destacou-se dos antecessores, principalmente, pela sua simplicidade: rejeitou muitos símbolos tradicionais do papado, como o uso de apartamentos luxuosos, preferindo habitar na Casa Santa Marta, dentro do Vaticano; e costumava quebrar protocolos para se aproximar dos fiéis, abraçando pessoas doentes, crianças e pessoas marginalizadas.

Como afirmou na úlitma visita oficial a Portugal, Francisco acreditava numa Igreja onde "há espaço para todos".

Bergoglio foi eleito pelo Conclave a 13 de março de 2013, apesar de quase nada indicar que seria o escolhido para suceder Bento XVI.“Não existe nenhuma possibilidade” de ser nomeado Bispo de Roma – foi assim que se despediu o arcebispo Bergoglio quando saiu da Catedral Metropolitana de Buenos Aires, a 26 de fevereiro de 2013, para apanhar o voo da Alitalia no aeroporto internacional rumo a Roma. Bento XVI tinha anunciado que dentro de dois dias renunciaria ao cargo e os cardeais eleitores da Igreja Católica Apostólica Romana iriam reunir para escolher o sucessor.

Pensou que estaria fora apenas duas semanas, o tempo que duraria o conclave no Vaticano. Voltaria em breve à Argentina para rezar a missa no Domingo de Ramos. Levou, por isso, uma mala apenas com as vestimentas que os cardeais usam no conclave e a sua pasta preta como bagagem de mão. Bergoglio repetiu tantas vezes para si que não havia possibilidade de ser eleito para líder da Igreja Católico que se convenceu. Ser o líder da Igreja Católica, contudo, nunca deixou de ser uma hipótese.

Nunca quis ser Papa. E referiu-o inúmeras vezes a biógrafos e a jornalistas. Não era uma ambição. 

Já em 1992, admitiu sentir-se contrariado quando foi nomeado bispo auxiliar de Buenos Aires.

Para além de não desejar ser o sucessor de Bento XVI a sentar-se na Cátedra de São Pedro, também não era um nome que soasse na Igreja. Vinha do outro lado do mundo, do outro hemisfério e não era muito conhecido entre os nomes que se pensavam para o lugar Vaticano. Não havia previsões, ou notícias que apontassem o arcebispo argentino como um dos nomes prováveis para a eleição do conclave de 2013.

Na Capela Sistina, na primeira das cinco votações, os votos foram distribuídos por vários nomes. Na seguinte, já só três candidatos se destacavam: o argentino Jorge Mario Bergoglio, o italiano Angelo Scola e o canadense Marc Ousellet. Só na quinta ronda de votações, o até aí desconhecido clérigo argentino conseguiu dois terços dos votos – 77 votos entre os totais 115.

Pelas 19h40 de dia 13 de março de 2013, os milhares de fiéis que aguardavam ansiosamente na Praça de São Pedro viram finalmente o fumo branco da chaminé da Capela Sistina, que anunciava a eleição de um novo Papa.

"Habemus Papam" foi a expressão que mais se ouviu entre os milhares de pessoas que na Praça de S. Pedro aguardavam pelo fumo na chaminé do Vaticano, numa altura em que o sino da Basílica de São Pedro também soava a assinalar a eleição de Bergoglio.“Vós sabeis que o dever do Conclave era dar um Bispo a Roma. Parece que os meus irmãos Cardeais o foram buscar quase ao fim do mundo. Eis-me aqui!”.

O nomeado papa Francisco, nome que o próprio escolheu, dirigiu-se pela primeira vez à varanda da Basílica de São Pedro para saudar a multidão, vestindo apenas a batina papal branca.

No primeiro discurso, Francisco deu início a um novo caminho "de Bispo e povo", "um caminho de fraternidade, de amor, de confiança" e apelou, desde o primeiro dia, à "fraternidade" no mundo.

Papa Francisco em Portugal

 

Durante o seu pontificado, Francisco visitou Portugal em duas ocasiões: em maio de 2017 para as celebrações do Centenário das Aparições de Fátima - tendo estado no Santuário de Fátima, onde canonizou os pastorinhos Jacinta e Francisco Marto; e na Jornada Mundial da Juventude em 2023, em Lisboa, visitando também novamente Fátima.

 

Na segunda visita de Francisco a Portugal, que durou cerca de cinco dias, o Papa teve vários encontros com os milhares de jovens peregrinos que vieram a Portugal, assim como com líderes políticos e religiosos, deixando, uma vez mais, uma mensagem central de esperança, união e fraternidade.

 

"Estou feliz por estar em Lisboa, cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal: torna-se, de certo modo, a capital do mundo", declarou à chegada Francisco, invocando uma canção popularizada por Amália Rodrigues para fazer seu, "com muito gosto, aquilo que os portugueses costumam cantar: 'Lisboa tem cheiro de flores e de mar'".

"Do oceano, Lisboa conserva o abraço e o perfume. [...] Lisboa, cidade do oceano, lembra a importância do conjunto, a importância de conhecer as fronteiras não como limites que separam, mas como zonas de contacto", destacou, na altura, líder da Igreja Católica. "Parece que as injustiças planetárias, as guerras, as crises climáticas e migratórias correm mais rapidamente do que a capacidade e, muitas vezes, a vontade de enfrentar em conjunto tais desafios. [Mas] Lisboa pode sugerir uma mudança de ritmo".

Ainda aproveitando a passagem pela capital portuguesa, com o Atlântico no horizonte, Francisco fez questão de lembrar a situação dos muitos migrantes que tentam chegar a território europeu e ainda a guerra na Ucrânia, apelando ao "grande afeto" que tinha pela Europa, ao "espírito de diálogo que a caracteriza" e questionando "por onde navega" o Ocidente, que rota segue para acabar com os conflitos.

No âmbito da JMJ, em agosto de 2023, Francisco presidiu a celebrações no Parque Eduardo VII e no Parque Tejo, visitou bairros da capital portuguesa e reuniu com vítimas de abusos na Igreja.

Uma das mensagens mais marcantes de Francisco nesta visita, e que mais ia ao encontro do legado que pretendia deixar, foi a de uma Igreja para todos, na qual apelava à igualdade e à fraternidade.

"Na Igreja ninguém está a mais, há espaço para todos (...). E Jesus disse isso claramente quando chamou os discípulos para o banquete de um senhor que o tinha preparado e disse tragam todos: jovens e velhos, doentes e sãos, justos e pecadores. Todos, todos, todos. Na Igreja há lugar para todos".

Por altura da visita de Francisco, a Igreja em Portugal estava no rescaldo do escândalo dos abusos sexuais. Num discurso no Mosteiro dos Jerónimos, na altura, o Papa desafiou a Igreja em Portugal a ser "porto seguro, a "acolher e escutar as vítimas" e alertou para o "clericalismo que nos arruína".

O Sumo Pontífice condenou sempre os relatos de abusos sexuais, sobretudo na Igreja, pedindo que os suspeitos fossem responsabilizados e apelando à "tolerância zero".

Papa de causas sociais, da Justiça e pela ecologia

O pontificado de Francisco caracterizou-se, essencialmente, pelas suas mensagens com sentido à misericórdia, à inclusão e à reforma da Igreja e de como o mundo vê a Igreja. Enfrenta desafios internos e externos, especialmente pela resistência de alas mais tradicionais da Igreja, mas deixa um legado marcado pelo esforço em aproximar a Igreja do mundo moderno e dos mais necessitados.

Nos 12 anos como chefe da Igreja Católica, Francisco implementou reformas na Cúria Romana, visando maior transparência financeira e o combate à corrupção dentro do Vaticano. Além de criar o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, reforçando a atuação social da Igreja.

Nunca esquecendo o foco em temas como a Justiça Social e a Ecologia, publicou a encíclica "Laudato Si'", na qual defendia a proteção do meio ambiente, denunciando os efeitos do consumismo global e das alterações climáticas. Francisco sempre enfatizou a necessidade de uma economia mais justa e criticou o capitalismo desenfreado e as desigualdades sociais.

O papa Francisco também ficou conhecido pela tentativa de abertura ao diálogo e à inclusão, tendo promovido uma postura mais aberta sobre temas polémicos na Igreja mais conservadora, como o acolhimento a divorciados, de pessoas LGBTQ+ e pessoas em situação de marginalização.

Além disso, tentou aproximar e fortalecer o diálogo inter-religioso, encontrando-se com líderes islâmicos, judeus e cristãos ortodoxos para promover a paz.

Enquanto chefe de Estado do Vaticano, condenou sempre guerras e conflitos, como a invasão da Ucrânia pela Rússia ou os ataques na Faixa de Gaza, nos combates entre Israel e o Hamas.

Francisco defendia ainda o acolhimento de refugiados e migrantes, deixando apelos aos países desenvolvidos para que fossem mais solidários.

Incentivou ainda uma liturgia mais acessível e menos rígida, sem romper totalmente com a tradição e acabou por enfrentar resistência de setores mais conservadores da Igreja, que o consideraram progressista demais.

 

Quem foi Bergoglio?
Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos Aires, mas era neto de imigrantes italianos, que chegaram à Argentina em 1927, acompanhados dos seis filhos. Mario José Bergoglio, pai do Papa Francisco, era ferroviário e Regina Maria Sivoni, a mãe, era dona de casa.

Criado numa família católica, Jorge cresceu com grande influência da avó paterna que era presença constante na sua infância. E aos 15 anos, identificando-se cada vez mais com a fé católica, foi designado pelo professor de religião a preparar para a cerimónia de primeira comunhão dos colegas que ainda não tinham recebido o sacramento.

Apesar de ter tido uma juventude considerada normal, pertencendo a grupos de amigos e participando em convívios de jovens e em várias festas como qualquer adolescente, aos 17 anos já começava a mostrar vontade de seguir a carreira religiosa. Mas não foi um caminho direto.

Após o Ensino Secundário, entrou no Ensino Superior e, em 1957, formou-se em Química. Assim que concluiu o curso, aos 21 anos, decidiu entrar no seminário da Companhia de Jesus e formou-se na área da Filosofia.

Uns anos mais tarde, deu aulas nos colégios da Companhia de Jesus em Santa Fé e em Buenos Aires, época em que desenvolveu uma doença respiratória e teve de ser submetido a uma cirurgia para retirar parte de um pulmão.

 

Percurso antes do Vaticano

Apesar dos contratempos devido ao seu estado de saúde, Bergoglio manteve-se sempre ativo e continuando sempre a desenvolver as suas habilitações. A 13 de dezembro de 1969, Jorge Mario Bergoglio foi ordenado sacerdote e, no ano seguinte, graduou-se em Teologia na Faculdade de Filosofia e Teologia de São Miguel, continuando a lecionar em paralelo.

Em plena época ditadura militar na Argentina, nos anos de 1970, foi eleito responsável pela ordem jesuíta no país. Em 1986 foi para a Alemanha, onde finalizou a tese de doutoramento e em 1992, de regresso à Argentina, foi designado bispo auxiliar de Buenos Aires.

Apenas seis anos depois, em 1998, chegou a arcebispo primaz da Argentina, tendo dado início ao seu reconhecido trabalho pastoral dedicado às classes pobres e denunciando as injustiças económicas e sociais do país. As constantes visitas às comunidades pobres de Buenos Aires foram uma das muitas marcas que deixou enquanto esteve à frente da diocese, começando desde logo a demonstrar o seu reconhecido traço de humildade.

É ainda no papado de João Paulo II, a 21 de fevereiro de 2001, que é concedido a Bergoglio o título de cardeal. No conclave de 2005, o argentino foi o segundo mais votado entre os cardeais, atrás apenas do alemão Joseph Ratzinger que assumiu o papado como Bento XVI.

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